Sérgio C. Buarque

O economista britânico Thomas Robert Malthus (1766-1834) poderia ver na pandemia do Covid-19 uma confirmação de parte da sua teoria, formulada há quase dois séculos, prevendo desastres como resultado do desequilíbrio entre o crescimento aritmético da produção de alimentos e o aumento geométrico da população. Fome, guerra e epidemias seriam, segundo ele, dispositivos, não desejáveis, de controle da explosão demográfica. Mas o mundo e a economia mudaram tanto que, como um cientista honesto, ele deveria refletir: “Eu devo reconhecer que subestimei os avanços tecnológicos, que permitiram aumento mais que geométrico da produção de alimentos, e superestimei o crescimento da população. É verdade que algumas guerras e certas epidemias ajudaram muito na moderação do crescimento demográfico. Atualmente, a fome vem declinando, e as guerras persistem de forma apenas moderada e localizada, mas nada comparável às primeiras décadas do século XX, quando tivemos a Primeira Grande Guerra, a fome e a pandemia da gripe espanhola, a Segunda Guerra e novas epidemias”.

Mesmo sem uma grande e devastadora guerra e nem uma grave calamidade sanitária, de 1974 até 2018, a população mundial cresceu cerca de 1,5% ao ano, quase dobrando em 44 anos (de 4 bilhões, em 1974, chegou a cerca de 7,7 bilhões, em 2018), acompanhada de uma acelerada expansão do consumo, que Malthus não poderia imaginar na economia predominantemente agrícola do final do século XVIII. Segundo estimativas das Nações Unidas, a população mundial vai alcançar 9,3 bilhões em 2050, e 10 bilhões em 2100, sem se abalar com a pandemia do Covid-19, as pessoas produzindo e consumindo como loucas.

O Covid-19 está agora se espalhando rapidamente pelo planeta, aproveitando a globalização, mas não deverá ter um impacto forte na redução da população mundial, por conta dos enormes avanços da ciência e dos recursos médicos. Evidentemente que Malthus não lamentaria este sucesso da medicina no controle da pandemia, que pode salvar milhões de vidas em todo o mundo, mesmo ao custo de uma profunda recessão e milhões de desempregados. Difícil esquecer que, segundo estimativas, a gripe espanhola matou cerca de 50 milhões de pessoas no mundo. A tese de Malthus alertava para o risco dos desastres, que considerava prováveis, se não fossem adotadas medidas para a redução organizada da população, ele mesmo propondo, já no século XIX, uma política de controle rigoroso da natalidade.

Depois de refletir um pouco sobre a história recente, Malthus poderia completar: “O avanço da medicina está evitando os impactos terríveis das pandemias na população. Mas, ao mesmo tempo, está provocando outro tipo de desastre, mais amplo e mais grave: a profunda degradação do meio ambiente, que levará a uma tragédia de grandes proporções. Esta sim, se encarregará de uma redução drástica da população no planeta”.

Para que não pensem que Malthus gostaria de ver uma pandemia devastadora para demonstrar sua teoria, e considerando que não querem seguir seus conselhos de controle de natalidade, ele terminaria sua observação sobre esta pandemia do Covid-19 com a sugestão de uma medicação para proteger a saúde da população: “Três doses de caipirinha por dia”. Depois de uma gargalhada, ele completaria: “Não, não é um remédio eficaz, mas é delicioso. Foi criada pelos brasileiros, há pouco mais de cem anos, para tratar da gripe espanhola, mistura perfeita de cachaça, limão e mel. Não reduziu a contaminação nem as mortes, mas criou a bebida que, até hoje, é o prazer dos brasileiros”. “Pelo menos”, completaria Malthus, “vamos morrer alegres e felizes. Se não agora, pelo coronavírus, com certeza no futuro, pelo desastre ambiental”.