Aécio Gomes de Matos

Poverty (autor desconhecido).

Já tive; agora não tenho mais grandes perspectivas de uma militância política que pudesse ajudar a melhorar o mundo com alguma mudança. O que me sobra agora é a imaginação, para o bem ou para o mal. Penso primeiro no gigante mundo de miseráveis que compõe a maioria de nossa população, gente invisível, excluída da educação, das condições de moradia e saneamento minimamente dignas; mais ainda, dos cuidados fundamentais de saude e alimentação.

De repente, a pandemia começa a deixar às claras a existência deste mundo invisível, justamente para aqueles que têm acesso à renda, à educação, aos planos de saúde, à moradia de qualidade. Uma visibilidade que começa a dar medo das consequências dessas desigualdades. A segunda maior concentração de renda do mundo, do Catar: os 1% mais ricos concentram 28,3% da renda; os 10% respondem por 41,9% da renda. Apenas cinco empresários detêm um patrimônio equivalente ao da metade da população.

Com a pandemia, começa um medo desta multidão de miseráveis passando fome e morrendo, diante do eterno olhar negligente dos mais ricos e da classe média que sobrevive com alguma dignidade, mas é passiva diante deste quadro. Medo do crescimento do contágio em ambientes favelados, entre grupos sociais que não têm como se isolar; medo do comportamento de pessoas sem emprego e sem outras rendas, em busca de dinheiro, de comida, de remédios, … tudo que possa implicar em violência.

Não é por acaso que começam a surgir iniciativas diversas de injeção de recursos para reduzir essa tensão. Empresas fazem grandes doações para o sistema de saúde, agremiações e associações de voluntários fazem cotas e colheita de comida e material de higiene para os mais pobres. Em nome da solidariedade, que não mobilizava antes, busca-se agora acalmar o leão. Pouco se investe nas mudanças estruturais que poderiam criar uma sociedade mais justa.

As questões estruturais da nossa sociedade, que sempre coloquei como foco da militância política, poderiam ser pensadas agora, para além das emergências, voltando-se mais para a vida das pessoas do que para a manutenção dos padrões econômicos do mercado, e da retomada da economia concentradora que nos caracteriza. Em primeiro lugar, há que se definir um modelo econômico diferenciado, mais comprometido com o bem estar social do que com o domínio dos mercados, o que, na prática, termina por controlar o Estado e suas políticas.

Há que se pensar também na estrutura e no funcionamento deste Estado que termina por ser dominado pelos interesses privados, a serviço do qual se estrutura a política partidária com seus 35 partidos, a maioria fisiológicos, garantindo aos governantes uma retaguarda parlamentar capaz de encobrir o desvio de função dos órgão públicos, e a apropriação dos orçamentos para interesses de grupos, em detrimento das funções sociais comprometidas com o bem estar social.

A questão que se coloca aqui vai além da formulação teórica deste modelo. Na prática, a intensidade da crise se transforma numa oportunidade de mudanças importantes. A crescente efervescência das camadas mais pobres, e o pânico que atinge a classe média e os mais ricos, criam condições mais ativas de reflexão e de atitudes, para se discutir e implementar algumas mudanças importantes. É o caso da reforma política, criando maior compromisso dos eleitos com seus eleitores, da reforma do Estado, revendo os papéis dos órgãos públicos e o controle da sociedade sobre os governantes, o incremento dos papéis das organizações sociais fundadas nas comunidades, entre outras.

O problema que se coloca aqui é a situação politica de desgoverno da Presidência da República, fugindo completamente de suas responsabilidades em favor de uma centralização cada dia mais autoritária e, mais recentemente, o controle sobre o Congresso, através da uma bancada de parlamentares que se vendem em troca de cargos públicos com grandes orçamentos. A velha política “toma lá, dá cá” decantada em proza e verso há muito tempo no Brasil.

O que fazer?

Não há muitos caminhos para isto. O mais evidente começa com a mobilização de lideranças nacionais que assumam comprar a briga pra valer. É preciso lembrar que as grandes mudanças que aconteceram recentemente no Brasil foram sempre capitaneadas por lideranças importantes.

As eleições diretas, que puseram um fim à ditadura de 1964, a nova Constituição, o Plano Real, entre outras mudanças estruturantes da sociedade brasileira, foram lideradas por figuras comprometidas com a democracia, como Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Pedro Simon, Lula da Silva, Fernando Lira, Mario Covas, Jarbas Vasconcelos e tantos outros que assumiram compromissos com o País, e congregaram forças politicas nacionais que respaldaram mudanças importantes para a democracia. É disto que precisamos hoje: uma articulação de líderes nacionais que mobilizem a sociedade para enfrentar a situação crítica que estamos vivendo no Governo Federal e na saúde.

Por onde começar? Não há uma fórmula mágica para se realizar essas mudanças no Governo e no Estado, mas o começo – não tenho dúvidas – seria uma articulação de lideranças nacionais, sem pressupostos partidários, que possa unir algumas dezenas de agentes políticos com articulação nacional, em torno dos quais se possam formular propostas básicas, de partida, e mobilizar o País. Quem começa?