Sérgio C. Buarque

Gráficos.

Diante da calamidade econômica provocada pela pandemia do coronavirus, as reformas estruturais foram adiadas e o ajuste fiscal ficou suspenso enquanto o governo utiliza as suas ferramentas fiscais e monetárias para aumentar a liquidez e elevar os gastos públicos na proteção da população vulnerável, na contenção do desemprego em massa e na defesa da sobrevivência das empresas. Quando o sistema econômico entra em colapso, o Estado deve atuar para impedir o desastre econômico e social. Mas o Estado brasileiro está também colapsando e não tem fôlego para manutenção e, menos ainda, para ampliação dos gastos públicos. De acordo com estimativas otimistas, o governo encerra este ano com déficit primário de R$ 700 bilhões (cerca de 10% do PIB) acompanhado de uma queda de 8% no Produto Interno Bruto, elevando a dívida pública para mais de 90% do PIB.

Com este cenário, é tão simplista quanto arriscado pretender que o Estado amplie os gastos publicos com o objetivo de tirar a economia da recessão, financiando com mais endividamento que leva ao encurtamento de prazo dos títulos e pagamento de juros acima da Selic. Qualquer referência ao New Deal é completamente equivocada e ahistórica (pelas diferenças da realidade e da natureza das crises) e ignora que em 1933, a carga tributária norte-americana flutuava em torno de 6% do PIB[1] deixando o presidente Roosevelt com enorme folga tributária para aumento dos impostos que financiassem as obras públicas, todo o contrário dos governos brasileiros que acumulam enormes déficits apesar, de uma carga tributária em torno de 35% do PIB.

Para tirar o Brasil do abismo é necessário, antes de tudo, recuperar o cambaleante Estado nacional na sua capacidade fiscal que permita exercer sua função básica de prestação de serviços públicos e de estímulo à reanimação econômica. Como a mais elementar contabilidade para recuperar a capacidade de investimento, sem perder o controle da dívida pública, deve-se aumentar a receita ou reduzir as despesas. Os economistas se dividem na ênfase a uma ou alternativa. A elevação de impostos de forma seletiva e concentrados na renda mais alta de pessoa física tem um impacto pequeno na compressão da demanda agregada. Mesmo assim, alguns economistas preferem apostar na contração das despesas primárias, entendendo que a carga tributária no Brasil já é excessivamente elevada.

O tamanho da crise e, principalmente, o grande conflito distributivo que envolve as escolhas políticas exige, na verdade, uma combinação dos dois. O aumento de impostos a partir de 2021 é tecnicamente mais fácil e politicamente palatável, mas será aceitável apenas se fizer parte de numa negociação política que inclua uma repactuação das enormes distorsões das despesas públicas. Os economistas Fábio Pereira dos Santos e Ursula Dias Peres[2] estimam que seria posssível gerar uma receita adicional de R$ 140 bilhões com taxas adicionais e escalonadas sobre a renda de apenas 11% dos declarantes que detêm metade da renda total declarada. A criação de um imposto sobre distribuição de dividendos (atualmente isentos), enquanto se aguarda uma ampla reforma tributária, poderia adicionar algo em torno de R$ 60 bilhões. Toda esta receita nova deveria ser alocada em um Fundo especial de recuperação do Estado, desvinculado das despesas primárias[3], liberando para investimento em áreas estratégicas e/ou numa renda social básica. Por outro lado, sem mexer na carga tributária, o economista Armino Fraga propõe três medidas que permitiram reduzir as despesas primárias em condições de administrar o déficit primário de 8 a 9% do PIB: aprofundamento da reforma da previdência (incluisão dos Estados e eliminação de várias folgas), implementação de uma reforma administrativa para redução dos privilégios e altos salários na administração pública, e diminuição da renúncia fiscal[4].

A combinação de mais receita e menos despesas é fundamental para permitir a ampliação dos investimentos públicos que leve a uma reanimação da economia brasileira. Nada disso é alcançável sem um grande acordo político. Algo que, entretanto, parece inviável com um presidente despreparado, autoritário, anacrônico e delirante, e pouco provável com a carência dramática de lideranças políticas. O quadro é desolador. Mas talvez sejam situações limites como esta que despertem a nação para um entendimento e uma negociação política em torno do futuro do Brasil.

[1] Carga tributária dos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX (exceto durante as guerras) segundo Gonçalves de Godoi, Carlos Eduardo; e de Mello, Elizabete Rosa. Os sistemas tributários norte-americano e brasileiro sob a ótica da justiça tributária e da tributação justa. RDIET-Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário. Brasília, V.11, nº 2, p.172-195, Jul-Dez,2016

[2] Pereira dos Santos, Fábio; Dias Peres, Ursula. Por uma Contribuição Social Emergencial para enfrentar a Covid-19. Estado de São Paulo. 11 de abril de 2020

[3] Semelhante ao conceito de Keynes de criação de um “orçamento de capital” separado do “orçamento corrente” como comenta Bittes Terra, Fábio Henrique; e Ferrari Filho, Fernando. As políticas econômicas em Keynes: reflexões para a economia brasileira no período 1995-2011.JEL: B22: E12: E63

[4] Fraga, Arminio. Uma resposta à altura da crise. www1.folha.uol.com.br.31/05/2020