Elimar Pinheiro do Nascimento

Apesar do título, é muito cedo para se fazer um balanço consistente das consequências da pandemia do Covid 19. Sobretudo porque ela se encontra ainda em pleno curso, com duração imprevisível. Aparentemente, será necessáriouma vacina para encerrá-la, embora casos similares, anteriormente registrados na história da humanidade, mostrem que é também possível seu encerramento antes. Contudo, com um custo altíssimo, pois teria que ocorrer o que se denomina habitualmente de imunização por rebanho, ou seja, a expansão extraordinária de infectados de forma a prejudicar, gradativamente, a reprodução do vírus pela dificuldade de encontrar novos hospedeiros. Uma espécie de morte natural, com o alerta de que nestes casos o ressurgimento é sempre possível. Ademais que o desconhecimento quanto ao coronavirus SARS 2 ainda é muito grande. Mesmo a imunização dos infectados não é de toda assentada no conhecimento médico atual.

Contudo, algumas consequências já são visíveis ou perceptíveis como o alto número de óbitos, que caminha vagarosa, mas imperturbavelmente, para a casa do milhão. Uma surpresa para quem a imaginava uma “gripezinha”. Observe-se que a pandemia se dirige a outras regiões ainda pouco afetadas, com numerosa população de pobres e sem estrutura adequada de saúde pública. Sem contar a possibilidade de reincidência em alguns países europeus e estados americanos, além de sinais similares, embora frágeis, em outros países como a China. Esses eventos podem se traduzir em aumento de óbitos, tornando esta pandemia uma das maiores dos últimos cem anos, ou seja, após a febre espanhola que matou, aproximadamente, 50 milhões de pessoas. A única concorrente seria a AIDS. Porém, a covid 19 e a AIDS não podem ser comparadas tendo em vista as suas profundas diferenças. Em particular quanto a forma de transmissão de uma e outra doença. No primeiro caso os humanos têm a opção de evitar a doença, com exceções, como a transfusão de sangue; no segundo, as variáveis estão relativamente fora do controle do indivíduo. Por isso, o isolamento social aplicado pela esmagadora maioria dos países.

Outra consequência notória é o desastre econômico resultante dessa paralisação, por meses. No caso da AIDS, a forma de sua transmissão não exigiu tal procedimento.  Desconhece-se qual o tempo necessário para a recuperação da economia mundial. As previsões de queda econômica variam de 4 a 7% na maioria dos países afetados. As falências, o desemprego e a perda de renda foram de tal magnitude que serão necessários alguns anos para que ocorra um retorno ao nível anterior. A fome, a pobreza e a desigualdade crescem em praticamente todos os países. Com algumas surpresas, como as filas para receber alimento na Suíça.

O fato é que o mundo se desenha mais desigual e mais perverso para boa parte da sociedade no pós covid 19.

Segundo os profissionais da saúde, as enfermidades psíquicas crescem, como a depressão e a ansiedade, resultantes do isolamento social e do clima de medo que se instalou na maioria das sociedades. Crescem, também, as violências domésticas e os distúrbios infantis. E aumenta a insegurança, porque não se sabe sobre a trajetória futura da pandemia. Quando será produzida uma vacina eficiente? Quando será o acesso a esta vacina? Quando poder-se-á voltar,normalmente, às atividades de trabalho e lazer? Dentro de seis meses, dentro de um ano? Não se sabe. Ninguém sabe. Várias cidades, no mundo e no Brasil, começam a reabrir seu comércio, mas os shoppings em algumas delas permanecem vazios. Embora perdendo força, o medo persiste entre um quarto e um terço da população.

Outras consequências são também visíveis, embora menos notórias, como a difusão do Home Office, o aceleramento do ensino a distância, as videoconferências para palestras debates e reuniões, a maior relevância do e-comércio, os serviços de delivery. A web ganhou segmentos sociais que antes eram-lhe aversos, assim como, as atividades aproximadas da moradia ganharam status. Os serviços de saúde e a indústria farmacêutica tornaram-se estratégicas para os países. A globalização conhece um refluxo. As grandes viagens devem retornar com parcimônia, o turismo tende a valorizar os locais mais pertos e mais seguros, com menos fluxo de pessoas.

Mas, há consequências que são menos previsíveis, sobretudo, se virão ou não a se firmar. Uma, entre tantas outras possíveis, é o fortalecimento dos movimentos culturais e sociais como o ambientalismo, o decrescimento e o convivialismo.

O modelo econômico está sendo posto em questão de forma mais incisiva. A procura de uma matriz energética mais limpa ganhou incentivo. O neoliberalismo parece ter seus dias contados, e a relevância do papel do Estado voltou à ordem do dia. A disponibilização de um montante superior a 700 bilhões de dólares pela União Europeia é um sinal de que o Estado é parte fundamental na recuperação econômica.

De certa forma, a pandemia está contribuindo para o recuo da extrema direita. Nos Estados Unidos, a popularidade de Trump aos poucos se desfaz, permitindo ao seu adversário uma diferença de mais de dois dígitos. Na França, a extrema direita ficou reduzida a pouco mais de uma dúzia de municipalidades dentre as quase 35 mil que detêm o país, e apenas uma municipalidade importante, Perpignan. No Brasil, a popularidade de Bolsonaro recuou no primeiro momento, mas graças a verba de auxilio aos necessitados voltou a subir. Mas esta verba não deverá se prolongar até 2022.

A vitória dos verdes, nas eleições municipais na França, é um sinal de que populações buscam outras políticas públicas. Sobretudo que o grande derrotado foi o governo de Macron. A emergência da importância dos resguardos relativos à sustentabilidade pela classe empresarial é notória, já tendo surgido no ano passado em Davos. A repercussão da declaração dos 170 acadêmicos da Holanda foi surpreendente. No Brasil, ex-ministros da economia e presidentes do Banco Central no Brasil se manifestaram de forma surpreendente, e mesmo contraditória com suas posições anteriores.

Livros, artigos acadêmicos e de opinião em periódicos e blogs no mundo inteiro são produzidos e publicizados em quantidade inimaginável. Edgar Morin acaba de publicar seu mais novo livro – Changeons de voie (Mudemos de caminho). O sucesso de Kate Raworth, com seu livro, publicado no Brasil sob o título de A economia Donut, é extraordinário. Um dos maiores críticos do turismo sustentável, Sharpley, defende hoje o decrescimento. Em toda parte, há sinais de mudança.

Porém, não se sabe a profundidade, a repercussão e o desdobramento dessas mudanças, numerosas e pequenas. Aparentemente, sem força para produzir mudanças estruturais. Resta a esperança de que, por vezes, grandes movimentos nascem de pequenas iniciativas. Maio de 1968 iniciou-se em uma sala de aula da Universidade de Nanterre. Mais particularmente na sala de aula de Manuel Castells, segundo a lenda.