Tive o privilégio de ocupar, por poucos meses, o cargo que o senhor ocupa. Embora minhas prioridades maiores fossem a erradicação do analfabetismo de adultos, que assola e envergonha nosso país, e a construção de um sistema federal de educação de base, com qualidade e equidade, tive o prazer de assinar todos os atos de nomeação de reitores das universidades federais, escolhidos por suas universidades.
Alguns podem pensar que isso se deve ao fato de eu ter sido um dos primeiros reitores eleitos, 35 anos atrás. Na verdade, deve-se a minha convicção da importância desse processo.
Vivemos, Sr. Ministro, um tempo de mutações, e a escolha direta do reitor é um caminho necessário, embora nem sempre suficiente, para a comunidade escolher o mais preparado para dirigir sua instituição, nos quatro anos seguintes, e sobretudo para debater qual a melhor estrutura para a instituição nas décadas seguintes. Este é um tempo de escolhas:
? optar pelos departamentos isolados em áreas do conhecimento, ou por uma estrutura com núcleos temáticos multidisciplinares;
? continuação das seculares aulas teatrais entre professor e aluno, ou aulas cinematográficas, produzidas com o uso de tecnologias de teleinformática, banco de dados e imagens;
? aulas presenciais ou remotas;
? universidades isoladas ou cada uma delas parte de uma rede mundial integrada;
? o saber para dar continuidade ao desenvolvimento industrial ou para reorientar o processo civilizatório, em direção a uma evolução sustentável, social e ecologicamente;
? uma universidade prisioneira dos interesses nacionais, ou capaz de criar um novo humanismo, que sem abandonar os interesses específicos de nosso país e nossa sociedade seja capaz de respeitar valores da humanidade e o equilíbrio ecológico no planeta;
? uma universidade das corporações ou da nação e da humanidade;
? uma universidade fechada, ou sem muros;
? uma universidade-escada para promoção de seus indivíduos ou uma universidade-alavanca para o progresso do país e de toda humanidade;
? que começa depois do vestibular ou desde a primeira infância;
? onde a formação se conclui com a diplomação ou capaz de auxiliar ao longo de toda a vida;
? onde o importante é o diploma ou o mérito;
? uma universidade prisioneira do Estado que a financia, como desejam os políticos de direita ou esquerda, ou uma universidade que sirva ao conhecimento e para isto precisa de autonomia em relação aos sindicatos, partidos e governos;
? ainda submetida a suas origens medievais, ou percebendo os horrores e esperanças do mundo global, da inteligência artificial, e os riscos da degradação ambiental e social;
? a universidade capaz de ir além da democracia e inventar a humanocracia, ou que regride e cai no fascismo, sob a tutela do Estado;
– manter a estrutura rígida ao longo de décadas, ou adotar uma estrutura flexível, capaz de assumir novas áreas e abandonar áreas obsoletas.
Esses debates, Sr. Ministro, não ocorrem quando o Estado escolhe o reitor conforme as pressões dos políticos vorazes por cargos, nem se essas pressões são limitadas por uma lista ampla que não reflete a preferência por um nome que liderou a consulta.
No caso específico da UnB, em que a Professora Doutora Cientista Geóloga Márcia Abrahão passou pelo teste de um mandato nos difíceis tempos de hoje e foi reeleita no primeiro turno, com mais de 50% dos votos, em uma disputa com diversos outros candidatos, sua nomeação é fundamental para manter a credibilidade no debate ocorrido, e nos que virão no futuro, a cada quatro anos. Também para os debates que deverão ocorrer nas outras universidades brasileiras, neste ano e nos próximos.
Não confirmar o seu nome seria um grande equívoco acadêmico, pelo desrespeito ao debate feito e à vontade da comunidade. Além disso, permita-me dizer, seria um erro pessoal, Sr. Ministro. Em algum momento no futuro o senhor voltará para a Universidade Mackenzie, circulará por universidades do Brasil e do exterior, e não creio que seu currículo de ex-ministro será engrandecido por um gesto que negue o reconhecimento ao debate e que mergulhe as universidades em crises ainda maiores do que elas já enfrentam. Lembro que um dos melhores de todos nossos antecessores, o ex-reitor da Unicamp, Paulo Renato de Souza, teve sua gestão marcada negativamente pelo fato de ter rejeitado o primeiro nome da lista na UFRJ. Além de ter jogado essa instituição em uma profunda crise por quatro anos.
Nós precisamos de uma UnB pacificada para que ela continue a ser uma das melhores do Brasil. Por isso, Sr. Ministro, na qualidade de antecessor seu, embora por poucos meses, e de ex-reitor da UnB, na qual fui professor ativo e sou hoje professor emérito, solicito que respeite a consulta e a opinião da comunidade, nomeando a atual reitora Márcia Abrahão, Professora, Doutora, Cientista e Geóloga ao seu segundo mandato, para o qual nossa comunidade a elegeu.
Atenciosamente,
Cristovam Buarque
Professor Emérito
LI COM MUITA SATISFAÇÃO ESTE ARTIGO DE CRISTOVAM BUARQUE . AS QUESTÕES POR ELE DEVIDAMENTE COLOCADAS SÃO EXCELENTES E URGENTES PARA “SALVAR” ESTE PAÍS “BURACO NEGRO”. SOU GRANDE ADMIRADORA DESTE AUTOR. ZAÍRA