Luiz Otavio Cavalcanti

Até o episódio da fúria virótica, confinamento tinha para mim um sentido diferente do que assumiu. Confinamento me reportava a Tóquio. Ano de 1985. Convidado pelo governo japonês, permaneci lá por vinte dias. Estudando sistema fiscal nipônico. Visitei universidades, empresas privadas, como a Mitsui, e órgãos do governo.

Uma das primeiras recomendações que recebi de Takeo Kanaya, oficial do governo que me acompanhou durante a estadia, foi:

– Secretário, não aperte a mão de ninguém. Aqui, basta uma reverência de cabeça.

Pois é. Mal sabia eu que, trinta e tantos anos depois, eu receberia igual determinação em casa. Mas, voltando a Tóquio, tive a sorte de encontrar lá com o sr. Hatta, então cônsul no Recife. Ele, de férias, ligou para mim e convidou-me para jantar. E disse:

– Passo, aí, no New Otani, e lhe apanho. Vou lhe levar ao melhor restaurante de carnes da Cidade.

O sr. Hatta era uma grande figura humana. Não acentuava a habitual circunspecção dos orientais. Ao contrário. Simpaticão, tinha sempre um sorriso a tornar a conversa mais leve. No restaurante, pedimos a carne. Ela se derretia na boca. Eu elogiei a qualidade do prato. Ele respondeu:

– É carne de gado confinado. Recebe massagem diária. E bebe cerveja.

Gado confinado em Tóquio. Gente confinada no Brasil. Assim é a vida. Para mim, confinamento mudou de tom. De cor. De paisagem. Virei gado. Mas não serei servido.

Mudando de canal, depois de assistir a vida de Caravaggio, no Arte 1, ouvi o ministro da Saúde. Durante mais de uma hora. Com seus dois principais assessores.

Encerrada a entrevista, fico com duas convicções: a primeira convicção, o presidente da República tentou e não conseguiu dispensar a Federação. Tentou eliminar o regime federativo. Anular a companhia institucional de estados e municípios. Inclusive com uma campanha pregando que o país não pode parar. No que foi obstado por Ação Civil pública do Ministério Público.

Minha segunda convicção, Bolsonaro viu que tem uma equipe competente no Ministério da Saúde. Que ele já tem atrito suficiente na Esplanada. Que o corona tem dimensão superior ao Titanic. É mais perigoso. Porque invisível. Insidioso.

Diante disso, Bolsonaro resolveu engolir o ministro Mandetta. Por sua vez, o ministro resolveu mostrar que de um limão se pode fazer uma limonada. E trouxe para o país a fórmula de sua permanência no ministério: a política gradualista. Coexistência entre confinamento, fique em casa, e detalhamento com estados e municípios de plano de reabertura de atividades essenciais. Em prazo a ser definido.

Moral da história: o Brasil tem ministro da Saúde. A implementação da política de confinamento passa a ser questão federativa. E Bolsonaro, pela primeira vez, não falou para seus acólitos na porta do palácio.