O Conselho Nacional de Educação (CNE) editou recentemente importante Parecer (11/2020) sobre volta às aulas em todos os níveis e modalidades educacionais no âmbito da pandemia da Covid-19.
Uma preocupação que permeou o documento foi a possibilidade de que o longo período de isolamento social afetasse de modo desigual a aprendizagem dos alunos, em razão dos diversos fatores sociais, econômicos e tecnológicos que limitam o contexto de ensino-aprendizagem nas atividades não presenciais.
Estudo do Insper (Naércio Menezes et alli), já utilizando dados que abrangem o período pandêmico, mostra evidências preliminares de que as apreensões do CNE eram de todo justificadas: no ensino básico as históricas desigualdades educacionais podem estar aumentando.
Embora as escolas se hajam mobilizado rapidamente para promover atividades remotas na crise sanitária, elas tiveram que se deparar com diferentes realidades que circundavam os ambientes domiciliar e tecnológico dos estudantes.
Com efeito, a pesquisa mencionada deixa claro que os resultados do ensino não presencial são distintos entre estudantes de diferentes grupos socioeconômicos, dependendo do acesso à infraestrutura tecnológica e das condições domiciliares.
Por exemplo, a densidade de moradores por dormitório das residências brasileiras, quando vista sob a ótica de classes de renda, é maior entre os estratos pobres do que entre os ricos (média de 2,3 e 1,5 moradores/dormitório, respectivamente).
Já a proporção de estudantes do ensino fundamental dessas residências cujos pais têm o ensino médio completo ou mais é de apenas 36% entre os pobres, evolui para 69% na classe média e chega a 93% entre os ricos. Na educação infantil os percentuais são de 45% entre os pobres, 79% na classe média e 97% no estrato rico.
Os moradores dessas residências quando argüidos sobre se lhes disponibilizaram atividades escolares para fazer em casa e se elas foram de fato realizadas responderam que sim, na sua grande maioria, mas as proporções em cada domicílio variam de acordo com o nível de educação da mãe. Onde a mãe não tinha instrução, 60% disseram que sim e 34% que não. Já nos núcleos residenciais onde a mãe possuía pós-graduação 87% afirmaram que sim e 9% que não.
Nos lares onde a mãe não tinha instrução o número de horas por dia dos estudantes fazendo as atividades escolares era sempre menor do que naqueles em que a mãe era instruída. Por exemplo, apenas 7% dos domicílios onde a mãe não possuía instrução despendiam 5 horas ou mais nas tarefas, enquanto que eram 20% os lares cuja mãe tinha pós-graduação que gastavam esse mesmo tempo.
Por seu turno, a realização de atividades escolares, acesso à internet e desempenho na Prova Brasil (Português e Matemática) são tanto maiores quanto mais elevado é o grau de instrução da mãe, com destaque para a magnitude do diferencial de desempenho na Prova Brasil.
Há ainda outros sinais de desigualdade: os alunos das escolas públicas realizavam menos atividades escolares e tinham menos acesso à internet do que os alunos das escolas privadas e suas notas na Prova Brasil se mostraram bem menores do que as correspondentes na rede privada.
O próprio estudo sugere que a desigualdade educacional entre diferentes grupos socioeconômicos deve aumentar, pois em muitos casos os alunos
com menos acesso à internet e que realizam menos atividades escolares em casa têm mais probabilidade de coincidir com os alunos que já possuem um desempenho pior em testes padronizados, como o da Prova Brasil.
A pesquisa também apresenta indícios de que a gestão escolar importa no desempenho dos estudantes. Por exemplo, os Estados do Ceará e do Pará têm condições socioeconômicas parecidas e praticamente o mesmo nível de acesso à internet, mas a realização de atividades escolares e, especialmente, o desempenho dos alunos na Prova Brasil são bem maiores no Ceará.
Mesmo quando comparado com um estado bem mais evoluído como o Rio de Janeiro, que tem mais acesso à internet, o Ceará ainda assim realiza mais atividades escolares e tem melhor desempenho na Prova Brasil.
Em termos de gênero o estudo do Insper apresenta um dado intrigante: os estudantes do sexo masculino e feminino têm praticamente os mesmos níveis de acesso à internet e de realização de tarefas escolares. Entretanto, os estudantes femininos têm um desempenho incomparavelmente maior em Português e incomparavelmente menor em Matemática do que os estudantes masculinos.
Enfim, os dados mostram que a experiência do ensino remoto na crise do coronavírus pode estar sendo mais bem aproveitada nos lares das camadas mais altas de níveis de renda, que têm mais acesso à infraestrutura, melhores condições de moradia, mães com instrução e filhos estudando na rede privada.
Com a vacina sendo disponibilizada à população, cresce a pressão pelo retorno às atividades escolares presenciais. Neste contexto, as escolas se vão deparar com o desafio dos cuidados sanitários de praxe e de trabalhar os aspectos sócio-emocionais e pedagógicos dos alunos, inclusive a questão da perda parcial de conhecimento e habilidades – o retrocesso cognitivo – devido à interrupção prolongada dos estudos ou à sua intermitência.
E, a julgar pelos dados do Insper, as escolas terão ainda de encetar medidas específicas que recuperem o aprendizado dos menos favorecidos economicamente como forma de atenuar a desigualdade educacional havida na crise sanitária.
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