Death on a Pale Horse (?) c.1825–30 by J.M.W. Turner

 

Em prefácio à edição brasileira do seu livro “O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”, Yascha Mounk, professor na Universidade Johns Hopkins, não poderia ter sido mais claro: “Bolsonaro é o adversário mais poderoso que a democracia brasileira enfrenta em meio século, e seus partidários são cidadãos que, como você, terão que compartilhar o país por uma década ou até um século. Não o subestime e não menospreze essas pessoas”.

O que vemos, todavia, é justamente o contrário, o que leva a se recorrer com frequência àquela carinha de espanto nas conversas digitais. Tanto para as ações mais visíveis quanto para aquelas mais discretas do presidente, sucedem-se expressões como “Incrível”, “Não é possível”, “Onde vamos parar?”. Minha opinião sincera é de que não vamos parar! A essa altura, o caráter de Bolsonaro já é bem conhecido. Só ingênuos pensarão que de sua cartola sairão coelhos assustados e pombinhas da paz.

A cada pensamento “Mas ele não chegará a tanto!”, um bom demônio em nossa consciência deverá rugir: “Chegará, pode chegar a muito mais!”. E pior: não chegará só, pois criou partidários à margem dos próprios partidos. Ele mesmo é um sem partido e, ao que parece, tem se sentido muito bem assim. Que falta lhe faz? Pois é, Bolsonaro chegará e vai chegando e sabe aonde quer chegar… Sim, dirão muitos, “As instituições estão funcionando”, sem se perguntarem por que a toda hora temos que dizer que as instituições estão funcionando…

Bolsonaro sabe que há toda uma artilharia democrática voltada contra ele. Sua guerra é permanente. Ocorre que sua maior arma é o poder sobre o qual está montado e que só prova, como já se disse, que um presidente brasileiro tem muito, mas muito mesmo, poder nas mãos. Agora mesmo, acabamos de ver que ele pôs suas mãos sobre o parlamento. E isso da forma mais cínica possível, desiludindo aqueles que acreditaram numa “nova política”, expressão que, por si só, claro, nunca passou do que é: um glacê retórico. A guerra bolsonarista é literalmente “sem quartel”, mas com o chumbo grosso e inoxidável do dinheiro.

Chamado de “fascista” e “genocida” no parlamento, o presidente sorriu e revidou com um confiante “Nos encontraremos em 22”. Sabe que deu mais um passo para a própria reeleição. Dias depois, criou uma fotografia emblemática ao estufar o peito e sair correndo pela raia de um centro de atletismo. Dentre tantas leituras, algumas nos saltam aos olhos: “Estou cheio de gás”, “Estou preparado para a corrida presidencial”, “Estou eufórico”. Enfim, enquanto ele corre para os braços da vitória, nós, pobres cães, latimos nossos xingamentos de fascista e genocida.

O presidente está eufórico num país majoritariamente disfórico. Confiante num país de incertezas. Enquanto isso, as oposições comem mosca. Yascha Mounk, do alto de suas análises, nos diz muito bem: “A oposição sempre subestima o populista”. Aliás, no mesmo prefácio, Mounk faz uma alerta e nos dá a nós, brasileiros, um conselho dos mais sábios. Diz ele: “É crucial que os políticos da oposição evitem a armadilha de deixar Bolsonaro determinar a agenda política, concentrando-se exclusivamente em suas falhas pessoais e políticas. Em vez de denunciar as palavras afrontosas que estão sempre saindo dos lábios dos populistas, eles deveriam tentar uma estratégia própria […] Para resgatar o País, os defensores da democracia liberal precisam provar para seus concidadãos não só que Bolsonaro é ruim para a Nação, como também que eles podem fazer um trabalho melhor”.

Eis um desafio duplo. Mas até aqui, infelizmente, nada feito. O presidente bem sabe o quanto nossas oposições são, em grande parte, fisiológicas e divididas. Não é ele que as divide, são elas que, divididas, não põem de pé um bom projeto para a nação. Enquanto isso, ele corre sozinho e de peito estufado. Por enquanto não apareceu ninguém nessas raias que levam a 2022.

Eis a verdade que há muito tempo não queremos ver e está em nossa cara todos os dias: ninguém segura Bolsonaro.