Levitsky e Ziblatt já ensinaram como as democracias morrem. A militarização de quadros funcionais, ao molde chavista, é um dos indícios. O uso e abuso de redes sociais, produzindo fake news, é outro indício. E o exercício populista, na relação direta com grupos, dispensando a mediação de instituições, é o terceiro.

Como disse a Roberto d’Ávila o ministro Luís Roberto Barroso, o cenário político mundial está dominado por três riscos ao regime democrático: autoritarismo, extremismo e populismo. São tintas que distorcem a harmonia de cores na República.

Parece haver inversão de valores e de objetivos no país. O ministério do Meio Ambiente não protege a floresta. Mas defende os negócios de madeireiras. O ministério da Saúde não agiliza a compra de vacinas. Mas defende o descompromisso com protocolos sanitários. O orçamento público, desde a época de barões ingleses, no século 13, é instrumento de redistribuição compensatória de receita. Mas, o governo Bolsonaro acaba de fechar acordo político com o Congresso para executar secretamente uma parte do orçamento. Visando distribuir recursos diferenciados a parlamentares governistas.

Ao lado desses episódios, eventos mais recentes despertam na opinião pública o senso de decifração de enigma. Pela ordem: parlamentar, acompanhado de servidor concursado do ministério da Saúde, faz severa declaração. Há três meses. Comunicou ao presidente da República indícios fortes de corrupção naquele setor. Nenhuma medida foi tomada pelo governo para apurar a denúncia.

Em seguida, o presidente da República afirma sobre as palavras do parlamentar que “isto é coisa do deputado”. Em reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, o parlamentar que esteve com o presidente ressaltou que o deputado mencionado é líder do governo. A seguir, fatos relacionados com empresas particulares e funcionários públicos confirmam o clima de suspeita que cerca a compra de vacinas. Inclusive a demissão do gerente de logística do ministério da Saúde.

Há dupla correspondência entre o factual e o político no Brasil atualmente: no plano qualitativo, observa-se que o presidente da República governa para seus apoiadores. Olvidando as parcelas restantes da população. Com claro desapreço a cientistas, pesquisadores, professores, jornalistas, artistas, produtores culturais. A consequência dessa contraposição está revelada no teor do noticiário de tv e de jornais.

No plano quantitativo, pesquisas de opinião certificam a perda de aprovação ao presidente. Fica evidente que a postura agressora, virulenta e parcial do presidente causou danos de imagem a si próprio. Uma dessas pesquisas, publicada no Estadão, de 26.06.2021, destaca que a rejeição a Bolsonaro, nos últimos quatro meses, é crescente. E centrada nos eleitores da periferia, 14%; eleitores de cinco a oito anos de escolaridade, 12%; nos eleitores de 25 a 34 anos de idade, 10%; nos eleitores que ganham até um salário mínimo, 9%; nos eleitores do Norte e do Centro Oeste, 9%.

Parece consolidar-se, no horizonte político, identificação entre desacerto da política Bolsonarista e desaprovação popular. Essa sintonia de percepções ainda não alcança o Congresso, dominado pelo Centrão. A hora impõe à cidadania dois comportamentos: resistência serena e cívica, desarmada de ódio. E apoio às instituições republicanas. Que fazem do espírito democrático a rede de proteção de todos. E de cada um.