Numa de suas inspiradas crônicas, Nelson Rodrigues confessa que tinha vontade de chegar perto de Guimarães Rosa, então seu vizinho de bairro no Rio de Janeiro, e fazer-lhe a inusitada exortação: “Guimarães Rosa, não seja tão Guimarães Rosa!”. O genial autor mineiro, como se sabe, era sóbrio, comedido, diplomata por profissão e por natureza, sem as habituais exuberâncias do brasileiro comum. Construíra uma imagem clara e até careta, em quase tudo oposta à engenhosa linguagem revolucionária de sua obra.

Com certeza, Nelson Rodrigues via em Rosa um afetamento, uma pose, uma página viva de esnobismo… Com efeito, o esnobismo reina entre gênios e medíocres e reina até entre aqueles que juram renegá-lo. Há os que são esnobes por um tempo, e há outros que o são incuravelmente. Enfim, alguma vez na vida teremos sido esnobes, e isso por falta de autoconfiança ou por excesso de vaidade. De resto, a própria dinâmica da vida social nos enseja inúmeras oportunidades de praticarmos o esnobismo. E, com certeza, é difícil encontrarmos alguém que não tenha a sua própria pose, não importando a que círculo social pertença. Até entre amigos próximos, observamos que muitos caem na tentação de ser esnobes uns com os outros, com a pose algumas vezes se sobrepondo ao espontâneo movimento da vida.

O esnobe ausenta-se quando o pensamos presente; torna-se presente quando não o notamos. O esnobe não é confiável. Paul Valéry escreveu que “O esnobe teme confessar que se entedia quando se entedia e que se diverte quando se diverte”. Daí não ser fácil conversar com um esnobe, é um aprendizado como qualquer outro. Além disso, o esnobe quer dar sempre a última palavra. Noutros e redundantes termos, digamos tudo: o esnobe quer nos esnobar, ele nos insinua, com sua eventual gentileza, que sempre somos o bobinho da história. Disso, o esnobe máximo tem certeza, e essa certeza, por um momento, o tranquiliza. Mas, como o jogo social é uma longa e contraditória partida, também podemos ter certeza de que o esnobe também já foi várias vezes esnobado. Essa dor secreta oprime-lhe o sapiente seio. Como escondê-la senão esnobando os outros cada vez mais? Como escondê-la senão insinuando-se por entre as frestas de nossas defesas?

A conversa com um grande e verdadeiro esnobe é sempre assimétrica, é sempre uma pseudoconversa. Quando há o verniz da polidez, menos mal, desliza-se por essa agradável cilada; se não há tal verniz, estamos diante do esnobe rústico, e logo nos calaremos, emparedados por seu pretenso saber e sua grosseria. De uma forma ou de outra, o “arrière-plan” nos escapa: somos medidos e pesados numa balança oculta, não há muito o que fazer…

O esnobe, enfim, tem um problema de escala. Nunca se sabe bem qual a sua pontuação de referência. Isso o torna complexo e interessante, inclusive para si mesmo, percorrendo, em segundos, da inferioridade, que teme como ao próprio diabo, à superioridade, que permanentemente almeja.

À semelhança de Nelson Rodrigues com sua exortação à pose rosiana, temos, por instantes, o ímpeto de dizer ao esnobe: “Caro esnobe, não seja tão esnobe!”. Desejamos jogar-lhe um pouco do sal da sabedoria na sua estátua viva e loquaz. É como se disséssemos: “Felizes os que se calam na hora certa!”. Mas o que vemos é o esnobe passar da medida. O esnobismo não se cala facilmente: o silêncio o intimida. Não é difícil imaginar que Freud veria em tal espetáculo uma compulsão feroz, uma força maior, vinda das profundezas abissais do id.

Deixemos o id e as profundezas (antes que nos tornemos esnobes de segunda categoria pelo uso de psicanalíticos lugares-comuns, o que, aliás, é mais frequente do que se pensa!). Até porque o esnobismo terá antes a ver com soberbas superficialidades. Assim, a conversa com um esnobe requer um pacto de fingimento. Para bem acompanhá-la e curti-la, para fazer frente à frieza de seus encantos, sugerimos uma boa e quente sopa de pedras. Neste culinário passo, não esqueçamos de que uma boa sopa de pedras, como reza a lenda europeia, requer temperos e ingredientes especiais.