Tarde recifense azul com algodões branquíssimos. Concluí a elaboração da aula sobre liberalismo. Ou melhor, sobre liberalismos. Recosto-me na cadeira. Olho os sessenta e seis slides. Como se estivesse examinando telas de pintores pernambucanos. Lula Cardoso Ayres, liberal social de origens na Zona da Mata. Reynaldo Fonseca, liberal clássico de cores renascentistas.
Ao cumprir o rito da ementa da disciplina, vejo que o liberalismo é uma torrente fluvial. Com afluentes de várias fontes cristalinas. O liberalismo mercadológico do inglês Locke. O liberalismo ontológico do francês Raymond Aron. O liberalismo democrático do italiano Norberto Bobbio. O liberalismo da sociedade aberta do alemão Karl Popper. O liberalismo da adaptação educacional de John Dewey. O liberalismo do senso de justiça de John Rawls.
Vamos observar o horizonte da formulação humana enquanto passa a tempestade. O Estado moderno é uma invenção genial. Angulando a liberdade de vários modos: ingleses a viram como autonomia civil. Franceses a viram como autogoverno. Alemães a viram como autorrealização. A raiz do liberalismo está na Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra, contra o rei Jaime II. A partir daí consolidaram-se instituição antiga, como o Parlamento. E nova instituição, como a liberdade de imprensa. Amadurecidas no contrato social de Jean Jacques Rousseau.
Surgiu, então, o encontro entre contratualismo de Locke e constitucionalismo de Montesquieu. Na França, por exemplo, a transformação ética do liberalismo numa direção social-liberal, não socialista, assumiu a forma de republicanismo.
Na Alemanha, Popper levantou o véu do paradoxo democrático: suicídio ou tirania? Como em Weimar. Desconstrução. Como na Turquia, Hungria e Brasil.
A democracia contemporânea, para ser estável, precisa ser orgânica. Fruto de convívio maduro. Uma democracia alicerçada numa República convivial. Sem ataques por redes sociais em coordenação palaciana.
Neoliberais, no século 20, chegaram fartos de conteúdo. Atualizado. Orwell, antiautoritário. Isaiah Berlin, ético pluralista. Hayek, confiança de mercado. Raymond Aron, pensamento analítico. Rawls, justiça como dimensão da liberdade. E Norberto Bobbio, viagem da democracia política para social-democracia.
O liberalismo de Bobbio, na Itália, pende para a esquerda. Opõe-se ao marxismo por falta de uma teoria democrática do Estado. Para ele, o Estado é complexo institucional voltado para mediação democrática. Por isso, o liberalismo deixou de ser burguês. E passou a ser social liberalismo, contratual. Para Bobbio, democracia é consequência histórica do liberalismo.
Nessa altura, chego à janela e olho o Capibaribe. Deslizando manso, domado lá em cima, nas barragens de Carpina e Goitá. E lembro de Mario Covas. Presenças funestas nos fazem recordar ausências honestas. Pois bem. Mario Covas e seu memorável discurso sobre choque de capitalismo. Detalhando sua visão de economia social de mercado. Numa expressão usada por Willy Brandt, líder da social-democracia alemã, nos anos 60. É o que temos por hoje. Mas, vale a espera porque o futuro está grávido.
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