Na eleição de parlamentares pelo atual sistema proporcional brasileiro se determinado partido não atinge o quociente eleitoral e nem é beneficiado pela democratização das sobras de voto, tal partido não ascende ao Legislativo e os votos que os eleitores conferiram à sua legenda e a seus candidatos são descartados.
Afora neste caso, em todos os demais os votos dos eleitores são integralmente aproveitados, mesmo aqueles consignados a candidatos que não foram eleitos, situação em que tais votos se somaram ao total de votos válidos do partido, ajudando-o na definição do número de vagas conquistadas.
Dessa forma, o modelo proporcional valoriza o voto do eleitor, aproveitando-o, com o mínimo de desperdício, ao tempo em que realça o papel dos partidos, já que todos os votos recebidos pelos seus candidatos são integralizados para determinação de vagas legislativas.
A substituição deste sistema eleitoral pelo modelo majoritário “distritão”, ora cogitada na Câmara dos Deputados, deita por terra essa característica desejável de aproveitamento de votos, posto que, na nova modalidade, todos os votos conferidos aos não eleitos são completamente desperdiçados (wasted votes).
Estimativas com base na eleição de 2018 dão conta de que se o distritão for implantado para 2022 no Brasil, cerca de 70% dos votos válidos poderão ser jogados fora (FSP, 19/06/21). Quer dizer, em cada 10 eleitores que se disporiam a votar em candidatos para o Parlamento 7 amargariam o dissabor de ter seus votos desconsiderados totalmente.
Esse processo de afunilamento de votos válidos (entram vários votos, mas saem poucos aproveitados) dificulta o espraiamento de oportunidades a vários estamentos sociais, particularmente às minorias ou a grupos com pouca participação no Legislativo, como o das mulheres. O modelo reforça, portanto, a baixa renovação da representação, favorecendo candidatos que já têm histórico na política e recall dos eleitos.
Enfim, o descarte de votos é tóxico para a democracia e para a legitimidade do sistema político-eleitoral. O descontentamento paulatino e crescente de grande parte do eleitorado devido à reiterada violação de sua vontade nas urnas vai desestimulando o eleitor a participar dos pleitos, potencializa o alheamento eleitoral (um dos fatores de o Japão abandonar o distritão, em 1993), e aumenta a crise de representação.
Dentre as incontáveis manifestações de especialistas contra a tresloucada proposta de implantar o distritão no país já em 2022 (e pior, de forma provisória, como experimento até 2024, fazendo a população de cobaia) já se disse de tudo, inclusive que o modelo é “uma máquina de moer partidos”. Poder-se-ia complementar dizendo que além de moer partidos, o distritão mói também a grande maioria dos votos dos eleitores, jogando-os no lixo, literalmente.
Ainda bem que nao passou, pois o Mauricio Romao está certíssimo. O distritão é uma aberração.