Identitarismo – autor desconhecido.

 

Homem Branco Rico é o estereótipo. Seus interesses, sua forma de ver o mundo, seus valores condicionaram a formação sócio-cultural e econômica do Brasil. Desde os anos 30 do século passado, inúmeros sociólogos, economistas, cientistas políticos e pensadores em geral apontam para essa direção. Gilberto Freyre, Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Guilherme Mota, alguns deles. Várias são as interpretações desse processo, mas há uma coincidência no analisar, o Patriarcalismo é marca indelével do processo histórico nacional. Evidentemente, ao privilegiar um segmento social, alija e exclui visões diferentes, criando uma assimetria extremamente grande na sociedade brasileira.

O debate, seguindo tendência mundial, vem assumindo novos rumos. Em sua centralidade passa a ser tratado o Identitarismo. A necessidade de convivência com dignidade de grupamentos dispares que tem suas especificidades, as quais devem ser reconhecidas e respeitadas. Esse passa a ser o objetivo de uma sociedade justa e democrática.

As questões de gênero são visíveis. As mulheres com pouca participação nas instâncias de direção, sejam públicas, sejam privadas, os salários diferenciados, a exclusão do tratamento de assuntos que lhes são próprios, inclusive no que tange ao direito sobre o próprio corpo. Mas não só elas, questões de gênero de outros grupos viraram tabus e não podem ser discutidas. Os LGBTQIA+ também são ignorados por nossa sociedade, ou, pelo menos, estigmatizados e desprezados. Mecanismos que garantam os direitos dos diferentes gêneros, das diferentes opções pessoais devem assumir posição de vanguarda na busca de um mundo mais harmônico.

O alijar de parcelas significativas da sociedade por questões raciais é inadmissível. As heranças de uma sociedade escravocrata ainda estão presentes. Os dados mostram o quão injusto é o tratamento dessa significativa parcela da população nas políticas públicas, nas colocações de trabalho, na marginalização de significativa parcela dos oriundos dessa raça. Mas, não esqueçamos que outros também são discriminados, como os povos indígenas e oriundos de povos latinos sul-americanos, ou minorias de descendentes de asiáticos.

Esse quadro não se reverte por si só. São necessárias medidas concretas que apontem nessa direção, principalmente políticas públicas. Também é fundamental que se pressione as organizações da iniciativa privada no sentido de uma mudança efetiva em suas políticas, que garanta espaços sempre negados a esses grupos, sejam mulheres, negros, gays, ou outros.

Nesse sentido, inúmeras organizações surgem e mesmo grupos parlamentares se organizam com esse intuito. As políticas de cotas são algumas delas, e têm significado como resgate de uma dívida que historicamente foi se formando. Avanços começam a ser notados, inclusive em empresas privadas com políticas de admissão e ascensão funcional diferenciadas.

Um problema delicado deve ser tratado. No extremo, essas políticas podem levar à fragmentação da sociedade em corporações que se isolam em seus “mundos”, que fazem desaparecer o conceito e a complexidade de uma sociedade plural. Uma coisa é o resgate histórico, dar a condição de viver em harmonia respeitando a diversidade tão rica e necessária, outra é o loteamento, a compartimentalização da sociedade, que pode levar a fraturas e separações inconciliáveis. Mas todo processo de mudança social tem que ser acompanhado e adequado a rumos que evitem extremismos predatórios.

Um ponto ainda não tratado, que vem perdendo relevância nos debates dos movimentos sociais, é a questão da riqueza, citada logo no início deste texto como parte integrante do perfil dominante. As lutas particulares são importantes, se não se esquecer, contudo, o geral. Não se pode negar que nossa cultura privilegia os detentores de riqueza, dos meios de produção, do capital entesourado financeiramente. Este é o ponto chave.

Vivemos num país em que as disparidades de renda estão entre as maiores do mundo. Segundo dados do PNUD de 2019 em estudo do IPEA, somos o país com a segunda maior concentração de renda do mundo, o 1% mais rico de nossa população detém cerca de 30% da riqueza total do Brasil. Ampliando para os 10%, estes contam com mais de 40%. O Brasil é mais desigual que Botsuana, com um índice de Gini de 0,539, o que nos coloca entre os dez países mais desiguais. Entre desempregados, subempregados e desesperançados temos mais de 60 milhões de brasileiros, o que se reflete em condições de vida subumanas. A pobreza absoluta vem crescendo e o simples andar nas grandes cidades reflete o triste quadro que enfrentamos. Uma sociedade desigual e excludente.

Nesse triste panorama, não negamos a relevância de fortalecer os Movimentos Identitários, mas consideramos fundamental retomar a luta por maior justiça de classe, por melhor redistribuição dos frutos que a sociedade brasileira, a duras penas, conseguiu.