Old Man with a Stick – Paul Gauguin, 1848.

 

Em homenagem ao pijama de flanela que recebi faz dez anos

Psicólogos e analistas de recursos humanos sempre alertam, é preciso se preparar para o período do “ócio merecido”. Ter um plano, uma estratégia a seguir. Nos levantamentos estatísticos que andei fazendo, percebo que isso é mero discurso. Nove entre dez aposentados não se prepararam e, os que se preocuparam, viram seus rumos serem mudados radicalmente. Não é fácil planejar esse período, há muito do inesperado para acontecer.

Como já tenho duas fases distintas de aposentadoria, ou seja, tenho experiência, sinto-me no direito de dar alguns pitacos.

Na primeira, resolvi que iria dedicar-me ao “dolce far niente”, com caminhadas, leituras e muito álcool. De vez em quando, umas aulinhas para não perder o vício. Depois de dois meses, um desastre de opção o ficar em casa. Volto ao trabalho, me associo a uma consultoria. Não perco dinheiro, mas uma frustração. Acostumado a dizer o que acredito, a ser provocador, a desenvolver idéias sem limites, sou submetido a ter que escutar o cliente, a orientar os trabalhos pelas necessidades dele, não pelo meu “brilhante” senso de busca de minhas verdades. Evidentemente, conflitos pessoais surgem e angústias se tornam cotidianas.

Volto à vida ativa profissional. Já mais experiente, entro em caminho conhecido, procuro evitar o fascínio de novos desafios em terreno que desconheço. Os dissabores da fase anterior não me saem da cabeça. Os objetivos de vida eram evitar o isolamento e o esquecimento, mas a crise surge novamente. Resolvo aceitar convites e passo a ser gestor público. Já havia sido e acreditava que seria caminho mais fácil a percorrer. Mas a idade pesa. As limitações oriundas de escassez de recursos e de interferências políticas, inevitáveis, começam a incomodar. A irritação com o que é inerente à gestão na área pública passa a ser um martírio diário. Se os pequenos avanços dados nos alegram, os contratempos que surgem, a cada momento, passam a ser insuportáveis.

Parto para minha segunda aposentadoria. Algumas premissas são claras e deveriam ser realmente orientadoras. Esta tinha que ser definitiva. Tinha que buscar caminhos prazerosos. Filosofia, estudo de Vedanta, literatura, caminhadas, práticas de Yoga, alimentação saudável e, tão importante quanto, um runzinho ou uma cerveja diária, uma viagem, mesmo curta, de tempo em tempo. Ninguém é de ferro. Lives e grupos de estudo também são importantes. Mudanças radicais no estilo de vida.

Escolhas feitas, passa-se a vivê-las. Faz quase três anos, importante refletir sobre a experiência e compreender a que conclusões se chega.

Dois são os maiores medos do aposentado, pelo menos daqueles que vêm da classe média intelectualizada, que foram ativos em sua vida produtiva, ter o orçamento sob controle e evitar o ostracismo.

O ábaco, a máquina Facit, a calculadora e agora o celular são armas indispensáveis no cotidiano. Se não se planejou antes, agora é indispensável. O aposentado, diariamente, vê as cotações da Bolsa, os caminhos da inflação e o câmbio vigente. Faz cálculos para analisar até onde vão suas economias, quantos anos ainda terá com o mesmo padrão de vida, como conseguirá cumprir seus compromissos. Acompanha a desvalorização de seus rendimentos, que nunca são reajustados. Acredito que um Nobel de Matemática, não lembro o nome do prêmio agora, deveria ser dado à classe. São ases em fazer cálculos inúteis e antever cenários que serão sempre desastrosos. Têm argumentos para protestos, para reivindicar, só não têm forças para sair da cadeira e tornar a pauta em ações concretas.

O segundo tema é mais complexo. O medo de ser esquecido é permanente.  Não conseguem se imaginar isolados. A imagem do Sadhú indiano, que se isola do mundo para entrar em contato com o seu espiritual, com o mundo contemplativo, não cai bem. É dolorido perceber que o dia a dia, por razões naturais, vai afastando amigos e companheiros que sempre lhes foram muito próximos. Perceber que, sem nenhum maquiavelismo ou intenção de segregar, não é mais chamado para missões e condutas que lhe eram rotineiras. Essa mudança, às vezes incompreendida, faz parte do dia a dia de todo aposentado, se está entrando em outro mundo, outro espaço. Os que estão na vida ativa têm desafios que os impedem de ficar, o tempo todo, agradando os idosos que ganharam outro status. O mundo competitivo lhes exige muita luta por espaços para se imporem. Os que se aposentaram têm que se reinventar. Procurar seus caminhos, atividades que preencham suas vidas.

Aí surge o problema. Para não ser esquecido aceita-se tudo, busca-se ocupar o tempo de uma maneira intensa, evitando pensar no natural isolamento. Assiste-se a todas as palestras possíveis, procura-se não apresentar posições divergentes em grupos, com o medo de perder mais um espaço, torna-se figura assídua em qualquer reunião de que chegue a ter conhecimento. Participa-se de todas as sociedades e entidades possíveis, mesmo sabendo que pouco tem a contribuir, que há divergências com o seu modo de ver o mundo e seus problemas, desde que não lhes sejam ofensivas. A pergunta recorrente que lhes aparece é a seguinte: que faço eu aqui, por que participo disso?

A vida entra num paradoxo, é intensa em programação, vazia em sustentação pessoal. Mas, pelo menos, ela continua com medos e caminhos com pouco sentido. Até pode ser divertido!!!