Três amigos - autor não identificado

Três amigos – autor não identificado

 

Faz mais de quatro anos que mantenho essa rotina. Evitar o isolamento do ócio nada criativo, uma obrigação. Pode ser um café no final de tarde ou, preferencialmente, um almoço. Toda semana. Com velhos companheiros que muito têm a dizer.

A ironia, a sátira aos conhecidos, a crítica permanente, o relembrar constante, o mexerico inconsequente, evidentemente fazem parte. No entanto, o mais importante vem da experiência vivida, das sugestões oferecidas, do teorizar com conhecimento de causa. Nada passa sem um comentário pertinente, comentários que se ouvidos poderiam resolver muitos dos conflitos que se apresentam.

Era na Adega Portuguesa. Passou para o Dom Francesco. Em Olinda, num deck ecológico, muitas plantas, uma vista do Alto da Sé. Uma garrafa de Bianco que dura por mais de três horas. Uma tábua com prosciutto, emmental e parmiggiano reggiano. 

Acompanho atento a dois formados nas ciências jurídicas que derivaram para outras áreas do saber. Reconhecidos como executivos e gestores públicos, muitos anos de vivência que lhes permitem ter noção clara do que ocorre. No estratégico do planejamento têm seu foco e a ele se dedicam com afinco. 

A Política faz parte de seu dia a dia. Nem sempre concordo, mas considero geniais as opiniões que emitem. Mostram claramente o que de errado se faz e como se deve fazer. Nem sempre as premissas me são simpáticas, mas devo confessar que, se aceitas, são o caminho. 

Uma discussão recente: a articulação do novo governo. Mostravam a importância dos cargos e recursos, mas acenavam para coisas mais simples, factíveis, que deixam de ser feitas. O mapeamento das bases eleitorais e a necessidade de incluir possíveis aliados nas ações locais, como mecanismo de fidelização de possíveis parceiros nas votações. Coisa que pouco tem sido feita e exige pessoas experientes que saibam ouvir e negociar.

A importância de um sistema de informações que permita acompanhar no tempo mudanças de humores e corrigir atitudes antes dos desastres que podem ser previsíveis. Um modelo sempre deixa de lado aspectos que parecem insignificantes para quem o organiza, mas que à vista dos outros podem ser básicos. Entender isso a tempo faz parte da arte da política. Uma lição que tive dos mestres e que gostaria fosse inserida na arte de governar.

Um cientista de renome. Reconhecido em sua área. Teve todos os títulos e cargos compatíveis com sua formação. Se a engenharia foi o seu berço, a ciência da informação se tornou sua casa. Não se aposenta porque não quer. Mas percebe as dificuldades de se fazer ouvir em anos recentes.

Num restaurante que mistura o sushi com o churrasco gaúcho nos encontramos. A comida é ótima, mas o rum é caro, e a cerveja não muito gelada. Para lá vamos por ser meio de caminho, mais fácil para a locomoção. 

Sempre de bom humor, expõe seus desafios atuais. Estudou a fundo modelos de avaliação e sistemas de classificação para a pesquisa científica. Fez articulações nacionais e internacionais. Acredita poder dar uma contribuição efetiva para as estratégias institucionais e melhorias no modelo de ciência e inovação regional. Não tenho dúvidas que tem propostas bastante relevantes. O problema é encontrar caminhos em que possa expressá-las.

Um administrador incompreendido. A cada encontro uma idéia nova. Cultura tem demais, leitor de tudo que passa em suas mãos, estrutura soluções importantes. Um encontro num dos restaurantes da família Dias, com direito a casquinho e bolinho de bacalhau, um filé alto e um pudim divino.

Três propostas para problemas que o incomodam. Passou tempo se aprofundando, estruturando. Sabe tudo sobre os assuntos. 

A Inteligência Artificial e seus impactos na vida moderna. Um sistema de regulação que permita aproveitar esses avanços sem ter a individualidade devastada e devassada, sem nos tornarmos reféns das máquinas. Parece um filme de ficção científica, mas é concreto e a solução bem apresentada.

O problema do lixo plástico. Um dos “cânceres” de nossa era. A busca de uma sociedade menos ameaçada, ecologicamente mais sustentável. Sua visão passa por um sistema administrativo-financeiro que permita conviver com ele. Muito inventivo, poderia ser uma solução ideal, caso as forças políticas o assumissem.

Do discurso à prática do empreendedorismo universitário. Estratégico para a inserção dos jovens numa sociedade em que o emprego formal vem diminuindo celeremente. Sair de modelos que privilegiam mais a extensão universitária e menos a viabilização de novos empreendimentos. Experiências que desenvolveu por anos como docente e agora consegue sistematizar.

Muitos outros encontros têm sido riquíssimos em sugestões. Difícil é serem ouvidas, poucas passam de conversas informais. Quase todos os que comigo estiveram querem criar consultorias. Mercado muito competitivo onde poucos conseguem se inserir. A frustração é permanente. 

Lembro de anos atrás quando muitos queriam ser inventores. Havia até concursos. Participei em vários como jurado. O problema é que pouquíssimos, para não dizer raríssimos, tinham noção de mercado e suas dificuldades para os que nele se aventurassem. Foi preciso criar outros mecanismos de apoio, como as empresas de capital de risco ou os fundos de investimento em empresas inovadoras. 

Em outros países, o Estado organiza o setor dos “velhinhos geniais”, criando instâncias que os escutam, bem como os alocando, ou suas ideias, em projetos relevantes para a sociedade.

Participo, recentemente, de um grupo de pessoas preocupadas em como criar caminhos para que essas propostas sejam ouvidas. Não é fácil no Brasil, não há estruturas para tal. Temos ciência das dificuldades, mas principalmente do potencial revolucionário que podem representar. Uma riqueza que está sendo desperdiçada.

Enquanto isso, pelo menos temos almoços…