Byron Sarinho em família.

 

No momento político em que estamos vivendo, fica cada vez mais clara a ausência de pessoas como Byron Sarinho, cuja vida foi construída com base numa militância política pautada em dados concretos, em projetos claros e com um comportamento digno, direto e objetivo.

Nos dias de hoje, além de a pauta política estar totalmente comprometida pelas ações do Governo Federal, pelo Congresso e, até mesmo, por parte significativa do Judiciário, a militância política, inclusive à esquerda, tem se orientado numa perspectiva fundamentalmente discursiva, com pouco compromisso com mudanças objetivas, mesmo quando tem referências teóricas e reflexões para entender a realidade.  Parecem ter pouco compromisso objetivo com a prática e as mudanças da nossa realidade.

Fico me perguntando qual seria o comportamento de Byron atualmente, quais seriam as suas ações objetivas, com quais articulações para a construção de vias alternativas, inclusive com envolvimento popular. Não tenho dúvidas que seriam mais consequentes.

A militância de Byron se inicia no vestibular, quando contesta os privilégios de pessoas com padrinhos políticos importantes para serem aprovados (artigo de 1961: pistolões, bilhetinhos e o vestibular). Na luta contra a ditadura, a partir 1964, filiado ao partido comunista, trabalha diretamente com os movimentos de resistência, mesmo durante o período em que foi funcionário de uma multinacional, da qual pediu demissão nos anos 80 para dedicar-se em tempo integral à atuação política.

Conheci Byron em 1976 quando voltei para Recife, depois de um período morando fora. Ficamos amigos de toda hora e sempre estávamos discutindo ações objetivas para o cotidiano da luta contra a ditadura; inclusive apoiando e coordenando eleições de candidatos comprometidos com a esquerda em tarefas praticamente administrativas, que iam desde a formulação de textos para comunicação até a cotização de dinheiro para pagar os custos operacionais. Lembro que, ainda 1978, propusemos a Jarbas Vasconcelos, que tinha sido o Deputado Federal mais votado em 1974, sair candidato a senador contra duas sublegendas da Arena. Sabíamos (e Jarbas também) que seria quase impossível ganhar a eleição, mas estávamos certos de que a campanha seria fundamental para fortalecer as forças democráticas no Estado. Jarbas demonstrou coragem e capacidade de luta. A Folha de São Paulo estampou em manchete: “Jarbas, o que perdeu mas ganhou“.

Byron, saindo da multinacional, passou a ter a sua militância política requisitada por órgãos públicos. Ele aceitava os cargos onde pudesse fazer políticas públicas consequentes, como o INCRA, secretarias de governo, prefeito substituto, … e terminou sendo deputado, posto ao qual desistiu de candidatar-se quando entendeu as limitações. Voltou à ativa como cidadão e militante.

Individualismo nunca foi sua praia, o tratamento dialético do coletivo era sua principal referência. Era solteiro, morava só, num apartamento vizinho à Assembleia Legislativa, onde se fazia a maioria das reuniões políticas e muitas farras entre amigos. Teve várias mulheres, mas nunca se casou. Tinha uma teoria de que não queria ser dependente de ninguém; nem motorista de carro oficial ele usava: eu sei dirigir. Teve uma filha quando tinha pouco mais de 40 anos.

Nos anos 70, logo que nos conhecemos, estávamos só nós dois num bar, tarde da noite, e ele me falou de uma teoria de que não queria ficar velho para não ter que carecer de ajuda de familiares, amigos ou empregados. Preferia morrer antes; nunca queria ultrapassar os 60 anos. Depois disso, várias conversas puxadas por ele tratavam das formas mais práticas de suicídio. Um tiro na cabeça por dentro da boca, a pessoa não ouviria o barulho da bala.. Muitas vezes se reportava ao suicídio de Péricles, criador do personagem Amigo da Onça. Foram anos dessas conversas.

Pouco antes de completar 60 anos, uma namorada de quem gostava muito, engravidou. Foi um trauma pesado. Fez teste de paternidade, morrendo de vergonha porque o pai da namorada era mais novo que ele. Deu positivo. Isso mudou os planos dele. Esperou o parto, quando o bebê nasceu ele continuou morando só, mas se encontrava com a filha frequentemente. No aniversário de um ano, um domingo, passou o dia com a menina e a mãe, passeando, e terminou no Parque 13 de Maio. Já havia feito uma festa para comemorar o noivado da filha mais velha: estava pronto.

Na 2ª feira me telefonou, me convidando para uma farra à noite. Eu daria aula no dia seguinte às 7 horas. Ficou para 5ª feira, como era de costume. No início da manhã, quando estava dando aula, vejo meu filho na porta: pai, tenho uma notícia triste pra te dar. … Byron matou-se.

Para ele, a vida não era só uma teoria, sempre foi prática e objetiva. Na sua carta de despedida ele diz:

Minha motivação é somente uma e sobre ela já venho lhes falando e escrevendo há muito tempo. Não quero, não devo, nem posso ficar mais velho; não pela idade em si mas pelo inevitável cortejo de privações desconforto e sofrimento que ela traz, particularmente para alguém como eu que vive (e ainda vivo) sem suportar limitações Vejam por favor as coisas por outro ângulo. Pensem no que todos estamos evitando: um velho pobretão, irritadiço e nostálgico da juventude. Na melhor das hipóteses, cheio de chatices e na pior dependente e inválido. Vade Retro! Este transtorno de agora, acreditem, é bem menor e mais passageiro do que o monumental estorvo que estou lhes poupando.

Por tudo isso, Byron é uma das referências mais importantes da minha vida. Pela sua capacidade de refletir e analisar dialeticamente a realidade objetiva que vivemos; pela capacidade de decidir e agir politicamente no sentido de seus argumentos; pela construção de uma relação de irmãos que fomos. Aos 80 anos, sinto falta e sinto saudade. Também sinto raiva dele.