Depois de anos de estabilidade econômica e política, quando se diferenciava na paisagem da América Latina, o Chile está entrando num ciclo de ebulição e incerteza. Os ventos da fragmentação e da polarização política do continente atravessaram os Andes e desceram através do deserto de Atacama. Os dois principais partidos da Concertación – Socialista e Democrata-cristão – estão fora do páreo, e os dois candidatos que vão disputar o segundo turno tiveram menos de 30% no primeiro turno.

Sintoma da crise de representatividade, as eleições presidenciais tiveram uma abstenção de 53%, quase o mesmo percentual da soma de votos dos dois candidatos que vão para o segundo turno. A fragmentação política no Congresso eleito agora, composto de 27 partidos, vai levar o vitorioso a governar com o frágil modelo brasileiro de presidência de coalizão. A polarização divide o país entre o direitista favorito José Antonio Kast, que defende a redução de impostos e o corte das despesas, a desregulamentação dos mercados e a privatização de empresas, e o candidato da Frente Ampla e do Partido Comunista, Gabriel Boric, favorável à elevação de impostos e dos gastos públicos e à eliminação da previdência privada. Para completar os fatores de instabilidade, a Assembleia Constituinte, eleita em maio último, tem uma maioria ativa dos movimentos identitários, o que não se reflete na composição do Congresso, e que contrasta totalmente com a visão do conservador Kast. Entretanto, por mais que pareça com as lamentáveis condições políticas do Brasil, a situação econômica e fiscal do Chile está longe do desmantelo brasileiro. A inflação prevista para este ano não deve chegar a 3%, a dívida pública, mesmo tendo aumentado na pandemia, flutua em torno de 33%, e a carga tributária, de 20% do PIB, deixa espaço para a elevação dos impostos, como proposto por Boric. Que o pequeno país andino escape dos ventos destrutivos que sopram do Brasil.