A eleição de Gabriel Boric como presidente da República do Chile, no bojo de uma polarização política com a direita saudosista da ditadura de Augusto Pinochet, consolida a democracia no pequeno país andino, e transmite uma mensagem de confiança às forças democráticas da América Latina. Boric foi eleito com uma vantagem de 10 pontos percentuais, e contou com o apoio dos socialistas e dos democratas-cristãos, duas forças políticas da Concertación que dirigiram o Chile nas últimas décadas, levando o país à liderança nos indicadores sociais do subcontinente latino-americano.
Para o Brasil, que vai passar, no próximo ano, por uma disputa eleitoral polarizada e altamente radicalizada, as eleições do Chile renovam a confiança na vitória contra o autoritarismo, e no fim próximo do desgoverno de Jair Bolsonaro. Além disto, no seu primeiro pronunciamento, Boric passou uma mensagem clara de moderação e responsabilidade, prometeu ampliar os direitos sociais com responsabilidade fiscal e cuidado com a estabilidade macroeconômica, e fez um chamado amplo a todas as forças políticas, citando inclusive o seu adversário direitista. Como se mandasse um recado direto aos brasileiros, ele evitou apresentar-se como o salvador da pátria, ou o portador de uma nova era, preferindo dizer que é um “herdeiro de uma longa trajetória histórica” na luta pela justiça social e expansão da democracia”.
O novo presidente vai precisar de uma grande capacidade e disposição para o diálogo e a negociação política, para a aprovação dos seus projetos. Mas a realidade econômica e social do Chile é muito menos complicada que a brasileira. As desigualdades sociais aumentaram, nos últimos anos, mas o Chile ainda tem os melhores indicadores sociais da América Latina: a inflação este ano deve chegar a 3%, a dívida pública flutua em torno de 33%, e a carga tributária representa apenas 20% do PIB. É verdade que ele vai encontrar um Congresso fragmentado em muitos partidos e tendências, mas já mostrou competência para construir consensos, e para atrair o apoio político de partidos fortes que podem compor o futuro governo. O sucesso do governo Boric é fundamental para o futuro da América Latina e do Brasil.
Belo edital, mas Pikety recentemente publicou um artigo contestando esta maravilha de indicadores sociais do Chile. É verdade? A desigualdade segundo Pikety é similar a da brasileira. Mas independente deste detalhe, é um brutal desafio par Boric, com um impacto extraordinário para o futuro da AL.