Aos amigos que, segundo eles, não querem estar “nem no fogo nem na frigideira”.

Os números das pesquisas que conhecemos hoje em dia (Ideia/Exame; Poder360; FSP; IESP etc) dão pouquíssimas chances para que isso aconteça: a criação de uma terceira alternativa nas eleições presidenciais de 2022 no Brasil. Lula e Bolsonaro parecem já ter cadeiras cativas no segundo turno, com possibilidade de o líder petista ganhar as eleições ainda no primeiro turno. O que provavelmente aumentaria a arrogância, já notória, dos petistas. E manteria a polarização do país, com chances de retorno de um líder de extrema direita, caso o terceiro governo Lula seja muito ruim. As condições econômicas internas são favoráveis a que isso aconteça, haja vista a situação das finanças públicas. Mas a habilidade política de Lula é reconhecida nacional e internacionalmente. Mesmo com o risco de mau governo, alguns defendem que se abandone a difícil ideia de uma terceira alternativa, e se vote no Lula no primeiro turno. É uma aposta, como toda escolha, e sem dúvida, caso vitoriosa, teríamos eliminado a possibilidade de enterro da democracia no país. Outros, porém, insistem em criar uma terceira alternativa. Mesmo sabendo das poucas possibilidades de isso vir a acontecer. Contudo, o futuro é a eterna morada da incerteza, e as pesquisas eleitorais hoje ainda dizem pouco deste futuro. Ou não dizem tudo.

A polarização política no país não é algo novo. Ela nos acompanha desde 1994, quando da eleição de Fernando Henrique Cardoso a presidente, vencedor no primeiro turno. Repetiu-se em 1998, quando se alcançou o mesmo resultado; e em 2002, quando Lula venceu, e voltou a se repetir em 2006, 2010 e 2014. Os polos nesse período eram o PT e o PSDB. Em 1994, 1998 e 2002 também se tentou uma terceira alternativa com Heloisa Helena, Cristovam Buarque, Garotinho e Ciro Gomes. Sem grandes resultados. Nas tentativas de 2010 e 2014, sendo agora Dilma a candidata do PT, por pouco a terceira alternativa, representada por Marina, não vingou. Nas eleições de 2010 ela alcançou 19,33% dos votos, e na segunda eleição, 21,32%.

A situação atual, depois da radical polarização entre Haddad e Bolsonaro, em que o terceiro lugar, ocupado por Ciro, alcançou 12,47% dos votos, parece repetir-se, sobretudo porque Ciro, nas pesquisas eleitorais de 2020, nunca alcançou mais de10% [1]. Dois fenômenos novos mudaram o quadro entre o final de 2021 e inicio de 2022. A candidatura de Moro, lançada em 10/11/21, alcançou os dois dígitos (11%), e na última pesquisa do Ideia tem cerca da metade do Bolsonaro (24%) e três vezes mais do que o Dória (4%). A segunda novidade é a queda acentuada de Bolsonaro, que estava na casa dos 30%, há pouco mais de três meses, e agora está na dos 20%, e continuando a cair, mesmo que lentamente. Observe-se que nas duas últimas eleições presidenciais o segundo lugar alcançou mais de 30%.

A lista dos candidatos à presidência assusta, já são 12, se contarmos os pré-candidatos. Porém o número não é importante. Nos Estados Unidos e Reino Unido existem dezenas de partidos políticos, porém os partidos que contam no Congresso, influenciando de fato a governabilidade, são apenas 2 nos Estados Unidos e 3 no Reino Unido. Nas eleições é a mesma coisa: Luís Felipe D’Ávila, Leonardo Péricles, André Janones, Alessandro Vieira, Aldo Rebelo e Simone Tebet não conseguem nem pontuar. Desses, dois têm alguma chance de crescer: o André Janones e a Simone Tebet. Esta provavelmente não sairá candidata, porque o seu partido tem a tradição de não lançar candidato, e no máximo faturar o vice, além do que as pressões para que seja candidata ao governo do MS aumentam. André Janones, que apenas os especialistas conhecem, pode surpreender com algum dígito, mas não mais que isso, pela sua forte presença nas redes sociais. Enfim, juntos contam quase nada. Rodrigo Pacheco, que aparece com 1%, é também duvidoso que saia candidato, apesar de seu prestígio junto ao Presidente do PSD. E, se o fizer, tem pouquíssimas chances de crescer. Ou seja, restam 5. Dois candidatíssimos, e com chances de vencer, Lula e Bolsonaro, e três duvidosos: Moro, Ciro e Dória. Se for verdade que o Ciro congelou, é possível que seja rifado por seu partido em março. E se o governador de São Paulo, até esta data, não tiver alcançado os dois dígitos, o que hoje parece mais provável, sofrerá pressões para desistir em função daquele que hoje reúne mais condições de prosseguir e ocupar uma cadeira no segundo turno: Sérgio Moro. 

Moro poderá crescer e ameaçar o lugar de Bolsonaro no segundo turno, se tivermos os seguintes acontecimentos favoráveis, entre outros: 1) o novo partido, União Brasil, caso se efetive, declarar o seu apoio, engajando-se efetivamente nas eleições; 2) Dória desistir, apoiando-o; 3) Bolsonaro continuar caindo. Desses três fatores, o primeiro e o terceiro são os mais prováveis. No caso de Bolsonaro, Moro tem a seu favor, primeiro, que o presidente é uma pessoa absolutamente despreparada – sua insistência na luta contra a vacina, quando todos os seus ministros candidatos dizem o contrário, seu guru, Trump, diz o contrário, e a maioria esmagadora da população brasileira diz o contrário, é quase inexplicável. Segundo, que a economia terá um péssimo desempenho, com uma inflação que, apesar de menor, deve permanecer alta, assim como o desemprego. Terceiro, que nem o alto empresariado, nem alguns partidos e políticos do Centrão, estão dispostos a se expor, caso ele continue nesta postura e, sobretudo, se continuar a cair. No caso do Centrão, como já sabido, o distanciamento do Bolsonaro será tanto maior quanto menores forem as suas chances eleitorais. Hoje em dia as chances são pequenas, e se permanecer assim até abril/maio, a debandada vai começar, senão antes.

A argumentação de que Moro não é uma terceira via porque é um bolsonarista, ou alguém igual a Bolsonaro, não condiz com os fatos, nem com os gestos ou as palavras. Alguns traços diferenciais já são percebíveis por parte da população. Moro, ao contrário de Bolsonaro, é a favor da luta contra a corrupção (mesmo que atabalhoadamente); não é a favor do desmonte da máquina pública; não é a favor da destruição do meio ambiente; não é contra os direitos humanos, nem é negacionista. E, sobretudo, não é uma ameaça à democracia. Aparentemente, é um conservador democrata. 

Caso o andamento dos eventos seja favorável a Moro e ele rompa a barreira dos 15%, o apoio do grande empresariado tenderá a aumentar, assim como de grupos conservadores, principalmente do Sul e Sudeste. E, neste caso, mantendo a queda de Bolsonaro, ele tenderia a ultrapassá-lo. Claro que contará com uma carga de acusações e “fake news” inimaginável, pois os dois candidatíssimos preferem enfrentar-se entre si do que enfrentar Moro. Para Bolsonaro, o melhor candidato é Lula, e para Lula é Bolsonaro, portanto, juntos, tentarão destruir Moro, como o fizeram Dilma e Aécio nas eleições de 2014 contra Marina Silva, com sucesso. É possível que novamente tenham sucesso. Mas se não obtiverem êxito e Moro continuar a crescer, atrairá para si todos os antipetistas que estão hoje com Bolsonaro [2].

A previsão de alguns analistas é de que, se Moro substituir Bolsonaro no segundo turno, as chances de Lula ganhar diminuirão consideravelmente. E no caso, ainda muito pouco provável hoje, de vitória de Moro, o país estará em face de uma incógnita. O ex-juiz tem um grande déficit visível: não tem qualquer experiência política, nem de gestão pública. É um tiro no escuro. Mas alguns preferem este risco. 

De toda forma, as chances de esse cenário ocorrer são pequenas. E menores ainda com um outro candidato, como a simpática e competente Simone Tebet. Alguns, porém, preferem insistir, pois não julgam que Lula fará um bom governo, e Bolsonaro é impensável. Esses acreditam que a política é o instrumento de construir o impossível.

PS. Não me agrada nenhum desses cenários, descrevo-os como analista. Apenas sinto meu país não ter um líder que tenha visão de futuro, apreço pela democracia, competência política, e reconhecimento e apoio da maioria do povo. 

 

[1] Nas eleições de 2018 foram 13 os candidatos. Afora os três primeiros, os restantes somaram 12,48, ou seja, o mesmo percentual que Ciro.

[2] Sobretudo quando eles perceberem que as chances de Moro contra Lula são maiores do que as de Bolsonaro.