Depois de meses de ameaças e diferentes exigências aos países da OTAN, a Rússia invadiu a Ucrânia e seu presidente, Vladimir Putin, lançou uma ameaça aterrorizante ao mundo: “Quem tentar interferir, ou ainda mais, criar ameaças para o nosso país e nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata e levará a consequências nunca experimentada na história”. Se não está anunciando cogumelos nucleares na Europa, pode estar próximo disto. Se Putin tinha motivos para estar incomodado com a adesão à OTAN de vários países do leste europeu, incluindo ex-repúblicas soviéticas, acabou de jogar fora toda a legitimidade que poderia ter para a negociação de um novo arranjo geopolítico na Europa. E, ao contrário do que pretendia, aumentou o receio destes países diante da poderosa e ameaçadora Rússia e o seu pedido de proteção pela OTAN. Mesmo assim, para deter a escalada de uma guerra continental, será necessário um esforço de negociação política que construção um novo sistema de segurança geopolítica global.
Putin parece ser um grande estrategista. Mas sua mente pode estar contaminada pelo sonho atávico do poderoso império russo, de Ivan a Stalin, que dominou vastos territórios da Eurásia. Neste sonho, a Ucrânia é o trunfo mais importante. Em pronunciamento recente, ele afirmou que a Ucrânia é “parte integral de nossa história, cultura, espaço espiritual”. E em artigo publicado no ano passado praticamente chamou os ucranianos de ingratos e incompetentes: “Os ucranianos desperdiçaram não só tudo que nós demos a eles durante o tempo da União Soviética, mas tudo que eles herdaram do império russo. Mesmo o trabalho de Catarina a Grande”. Tamanha arrogância e distorção histórica esconde a relação oposta: a exploração das riquezas ucranianas pelos impérios russos, especialmente a produção agrícola das terras férteis da Ucrânia que alcançou o paroxismo, nos anos 30 do século passado, com a brutal coletivização e o saque da produção agrícola ucraniana para financiar a modernização e a industrialização soviética.
No fundo, as preocupações geopolíticas de Putin se confundem com suas declaradas intenções de anexar a Ucrânia, “parte integral da história” russa que não passa de uma criação dos bolcheviques (frase dele). Desta forma, não basta que fique distante da OTAN, a Ucrânia deve voltar ao seio do império russo.
Sérgio Buarque, como sempre, equilibrado. E estudioso.