Mussolini, ditador fascita, em motociata.

 

Cada tempo tem suas palavras e suas invenções verbais. No momento, circula com desenvoltura a palavra “motociata”. Qual o significado de tal neologismo? Aparentemente, algo destinado a uma virilidade tóxica, retardatário de uma estética fascista, capaz de reunir cabeças derrapantes em prol de uma campanha eleitoral fora de época. A motociata é uma ordem unida que pode agregar, com veloz facilidade, simpatizantes de pouca disciplina e cega emoção. Sem falar que a motociata rejuvenesce, multiplica a força, cria uma fraternidade em que a razão se anula em prol de descargas afetivas. A motociata acelera em formação, e já não se olha para trás. Que os outros comam poeira ou fumaça! Todavia, a meta da motociata não é chegar a algum lugar, a motociata é sua própria meta! 

A motociata também é uma reunião de capacetes, leia-se: de cabeças duras. Capacetes protegem, mas também tapam as orelhas, prestam-se a abafar o som das palavras. Bastam gritos, grunhidos, talvez umas buzinadas. Onde só há ordens, muitas palavras não são bem-vindas. Os motores rugem, suas vibrações atravessam o corpo dos motociclistas. Será um lugar-comum dizer que ambos, homem e máquina, formam uma só criatura; sem tal conúbio, as máquinas por si sós parecem mais inteligentes. À margem da estrada, o choro é livre: artistas, humanistas, cientistas, instituições e adversários se tornam mudos e quedos, mais quedos que mudos, menos mudos que perplexos.

Ah, vocês já mataram a charada: a palavra “motociata” vai precisar de um excelente lexicógrafo. Enquanto aguarda esse notável mestre, ela vai circulando em companhia de outras que lhe parecem “cognatas”: “mamata”, “negociata”, “bravata”… Não são rimas ricas, toda a riqueza é essa cumplicidade semântica na vida real. O diabo é esse “ata” como um gene egoísta e pejorativo! Tudo isso empata!  Chegamos a temer uma “silenciata”… que, aliás, já existe para liquidar qualquer transparência. As leis da transparência (a Complementar 131/2009 e a Lei nº 12.527/2011) são daquelas que não pegam. Nada mais opaco, por exemplo, que a famosa “casa de vidro”: ela não dá retorno, ela não se manifesta, só daqui a cem anos… Tudo isso é a “silenciata”. Democracia é outra coisa: requer voz, vozes, argumentos, direito ao contraditório; requer, inclusive, quando necessário, uma errata. Mas uma errata será longa missão para um novo governo, ou seja, apontar os erros e corrigi-los…  

Enfim, da motociata a uma longa errata, passando pela “silenciata”, que pretende abafar mamatas e negociatas, lavramos esta breve ata, sempre na humilde esperança de auxiliarmos aquele futuro dicionarista que haverá de explicar melhor toda a riqueza semântica da palavra “motociata”. E, nada mais havendo a tratar, agradecemos a sua leitura.