Luiz Otavio Cavalcanti

Face by Deb Saine

O rosto mostra a alma. As tensões, emoções, alegrias. Cada governo tem um rosto. Pode não ser o rosto que a gente gostaria que fosse. Mas é o que nos é servido pela culinária democrática. Torna-se cedo para avaliações. Regra não escrita manda esperar por cem dias. De qualquer modo, a bruma da primeira manhã já se foi. E o horizonte desponta na fímbria da esperança. Esta nos autoriza a rascunhar certezas provisórias.

  1. Excluída a China (um regime, dois sistemas) e versões estatizantes autoritárias tipo Coreia do Norte, vejo dois grandes modelos de atuação do Estado contemporâneo: o modelo liberal e o modelo social democrático.
  2. Os dois modelos pautam sua organização por maior ou menor intervenção do Estado na economia. Maior, na social democracia. Menor, no liberalismo. Em ambos os casos, o limite está dado na fronteira da viabilidade fiscal dos recursos orçamentários. E o respeito às regras de mercado é sua característica básica.
  3. O liberalismo consolidou-se nos Estados Unidos, no Japão, na Inglaterra e países do Reino Unido, França, Itália, Espanha, Portugal, México. A social democracia fortaleceu-se nos países nórdicos, onde a população é menor, a renda per capita é elevada e a infraestrutura social está construída. É o caso da Suécia, Noruega, Dinamarca, Suíça.
  4. Entre um e outra, liberalismo (mais à direita) e social democracia (mais à esquerda), a política no Brasil tem oscilado nos recentes vinte anos. Mais para o liberalismo com Collor e Temer. E mais para a social democracia com Lula. A posição de Fernando Henrique seria a de perfeita simetria com a equidistância. Porque inspirou-se no ideal social democrata de Covas, Richa (pai) e Scalco. Mas entregou-se ao PFL de Antônio Carlos Magalhães no governo. Na prática, é discussão complexa. Porque, por um lado, o governo FHC estava acossado pelo PT que aspirava ao poder. E, por outro lado, precisava de maioria parlamentar para aprovar as medidas propostas pelo Executivo ao Congresso.
  5. O governo Bolsonaro traz claramente uma proposta à direita. Afora os excessos verbais de candidato, o presidente, agora, encara os fatos. E precisa dar conteúdo conceitual à prática administrativa. O liberalismo de Bolsonaro é forte como a luz do sol. E carrega, eventualmente, nuvens de intervenção do Estado. Reflexo da presença militar no governo. Seu teste é o desempenho como gestor. Se acertar a calibragem da máquina, terá perspectiva política. Se não acertar, a crise terá prorrogação.
  6. O liberalismo de Bolsonaro conta com dois fatores favoráveis. E um fator contrário. Os fatores favoráveis são: primeiro, o apoio da população, apurado em pesquisa. Segundo, a renovação do Congresso e o desmonte do PMDB, que ajudam o governo a organizar a base parlamentar em parceria com Rodrigo Maia. O fator contrário é o próprio governo. O governo é o maior adversário do governo. Pela inexperiência executiva do presidente e de seus assessores, o governo está confuso. Tem que sair da trapalhada gerencial rapidamente.
  7. Uma palavra sobre os militares no governo: eles têm chance única de contribuir para organizar a gestão. Porque são afeitos a uma ação planejada. E, desde Delfim Neto, o Brasil esqueceu o planejamento. Embora tenha uma experiência brilhante na matéria. Inclusive com agência exemplar no organograma, o IPEA.

Enfim, amigos, o cenário não está tão precário assim. Mas vai depender mesmo da capacidade de o governo se dotar de um rosto. Tropicalmente apropriado. E socialmente contemporâneo.