Jánio Quadros

 

Aula da quinta feira. Dia solar. Azulíssimo. Mala feita, power point pronto. Tomo o carro. Ligo Gilberto Gil, Eu Só Quero um Xodó. Trânsito calmo. Chego à várzea do Capibaribe. Passo na cantina para o munguzá. Que se torna hábito.

Na noite de ontem, dei uma olhada na estante. Pesquisa para aprofundar estudo de temas que me cercam. Encontro De Masi (Ócio Criativo), Robert Dahl (Teoria democrática), José Guilherme Merquior Melo (Liberalismo). Mais adiante, vejo: A Renúncia de Jânio, de Carlos Castello Branco (Editora Revan, Rio, 1996).

O autor que escreveu sobre Jânio, respeitado jornalista brasileiro, foi colunista político do Jornal do Brasil durante mais de vinte anos. Nos anos 60, o mais lido na imprensa brasileira. No final de dezembro de 1961, surpreendido com convite do então eleito presidente da República, Jânio Quadros, para assumir a assessoria de imprensa do governo. Recusou delicadamente alegando compromisso profissional. O presidente pegou o telefone, ligou para o chefe de Castelinho. Obteve anuência da empresa na hora.

Jânio teve uma carreira política meteórica. Vereador pelo município de São Paulo, elegeu-se seguidamente, prefeito da capital paulista, governador do estado e, em 1960, presidente da República. Derrotando o general Henrique Teixeira Lott, candidato do PSD.

Jânio era um político carismático e preparado. Dono de temperamento errático. Surpreendentes. Quis renunciar à candidatura para prefeito, renunciou à candidatura para governador (e retomou a postulação). E, finalmente, renunciou à presidência da República. Com sete meses de empossado. No dia 25 de agosto de 1961.

Sua gestão era formada por representação política da direita. O ministro da Fazenda era um banqueiro baiano, Clemente Mariani. E o ministro da Agricultura, um usineiro pernambucano, Romero Cabral da Costa. No entanto, à medida que o tempo passava, assumiu o rumo da esquerda. Estabeleceu a chamada política externa independente, alinhando-se ao terceiro mundismo. E concedeu a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul ao líder revolucionário cubano, Che Guevara. O governo transformou-se numa arena de contradições.

A principal liderança da oposição era o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Udenista, muito bom orador, ficou conhecido pela inclemência com que combatia seus adversários. Além de político, exercia o jornalismo. E foi proprietário da Tribuna da Imprensa. De onde desfechava ataques mortais aos oponentes. Uma das vítimas de seu discurso político foi o ex-presidente Getúlio Vargas. Suicidou-se em 24 de agosto de 1954.

Não se pode dizer que Jânio tenha sido fulminado por Lacerda. Porque a renúncia parecia estar na cabeça de Jânio desde sempre. Como estratagema para um golpe. Mas, na prática, Lacerda iniciou um processo de demolição política de Jânio.

O que ocorre, hoje, na política brasileira? Bolsonaro faz-se de vítima de ministro do STF, Alexandre Moraes. Dizendo-se destinatário de perseguição de poder. E, como resposta, comete ameaças ao STF, à segurança eletrônica das eleições, ao ministro Moraes. O propósito é claro. O que aproxima e o que distancia Bolsonaro de Jânio?

O que aproxima Bolsonaro de Jânio é a vocação autocrática. O exercício personalista de poder. O que os distancia é o preparo intelectual de Jânio. E a rudeza pessoal de Bolsonaro. A formulação de Jânio. E a agressão de Bolsonaro.

Jânio era um prepotente que queria o poder sem regras. Cercava-se de civis. E era atacado por Lacerda. Bolsonaro é um autocrata que quer o poder sem fronteiras. Carca-se de militares. E ataca instituições que se lhe opõem limites.

Nas semelhanças, os dois se distinguem por método: Jânio era atacado e usou tática civil de natureza institucional. Para renunciar. E não conseguiu voltar. Bolsonaro ataca e busca manobra militar de natureza clientelista. Para ficar. Na truculência de plano A, golpista. E, no plano B, de prevista derrota eleitoral.

Sofisticado, Jânio recusou a oferta do ministro da Guerra, general Odylio Denis, de intervir na Guanabara. Não queria ser um ditador latino-americano, convencional, sob baionetas. Primitivo, Bolsonaro põe tanques na rua para entregar um convite. Não faz questão de aparências.

Os tempos são outros. Os atuais generais eram da Escola Militar quando ocorreu a redemocrarização, em 1985. Eles conheceram o gosto azedo da repulsa da sociedade pela ausente democracia. E sentiram, então, a queda de prestígio do Exército. O contrário do que se observa agora. Hoje, o Exército é respeitado pela opinião pública por seu profissionalismo. Bolsonaro está desconstruindo essa imagem. Na utilização subserviente de pazuelos e quejandos. Mas, estes são poucos. A maioria dos oficiais de Caxias está com a Constituição. Não querem jogar o país numa aventura. Vã.