Juscelino Kubitschek era candidato a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. E precisava do voto de José Américo de… Paro aqui, pois falar o nome completo do cidadão traz 7 anos de azar. Por isso melhor dizer, como toda gente, só “Zé 3 Pancadas” – reproduzindo o bater 3 vezes, na madeira, para tirar mau-olhado. Agosto de 1975 e foi encontrar o paraibano. Problema é que, naquele tempo, não havia vôos diretos para João Pessoa. E teve que aterrissar no aeroporto dos Guararapes. Como era nosso padrinho, fomos buscá-lo. Quase meia noite, já passando por Goiana, ele comentou
– Havia um restaurante do guaiamum, nesta cidade.
Era o Buraco da Gia, claro. Batemos na porta, semiaberta, e o dono gritou
– Está fechado, lamento.
– Pena, o homem vai ficar sem jantar.
– Quem?
– O presidente JK.
– Está aberto.
E nos serviu um jantar esplêndido. Ao chegar, a cidade estava às escuras. E ainda não havia internet. Mas, por mistérios insondáveis, 15 minutos depois acordou, com multidão na porta do restaurante. Sem entrar, em uma espécie de reverência. No fim, ao sair, perguntaram onde iríamos.
– João Pessoa.
– É perigoso. Pode haver um atentado. Vamos acompanhar vocês, para garantir a segurança do presidente.
E seguimos, em comitiva. Era bonito de ver. Nosso carro, na frente; e, seguindo, uma fila com centenas de luzes dos faróis a perder de vista, como se fosse o rabo de um cometa. Até que chegamos. Fomos à recepção do hotel. Menos JK; que ficou na calçada, para agradecer, acenando a todos os carros. Fez isso por quase uma hora e, só depois que o último voltou para Goiana, entrou.
Na eleição, em 23/10/1975, perdeu (20 x 18) para o escritor goiano Bernardo Élis. Em seu diário, anotou “Estou pulverizado por dentro. Desejava, ardentemente, o prestígio que compensaria os imensos dissabores de 1964”. Não deu. Pena. Mas essa é outra história.
Lembro o episódio apenas porque JK era, na época da Ditadura, símbolo de uma Democracia despedaçada. E comparo, desalentado, com os símbolos de hoje. Pobres símbolos. Com receio da reação dos eleitores. Alguns sem conseguir voar em aviões de carreira, como JK. Ou jantar em restaurantes, como JK. Ou ficar no meio da rua, longe de apoiadores, como JK. Naquele tempo, os símbolos eram amados. Venerados. Respeitados. Hoje serão?
Amigo Zé Paulo, você vai ao ponto falando de JK. Eu o conheci pessoalmente quando ele era presidente. Tio afim de uma sobrinha de dona Sarah Lemos Kubitschek (Maria Lúcia Gomes de Lemos), que se tornaria esposa em 1957 de meu perene amigo Márcio Baroukel de Sousa Braga (Márcio Braga), colega de internato (Colégio Nova Friburgo, da Fundação Getúlio Vargas), era irmã de outro colega do colégio, Maurício Gomes de Matos. Isso me pôs em contato com “dr. Juscelino” (é assim que Márcio a ele se refere ainda hoje). Vi JK pela última vez em Copacabana em 1976, pouco antes do acidente que o levou desta vida. Ele andava sozinho no calçadão de Copacabana. Era cedo do dia e eu corria. De chapéu de palhinha, blazer azul escuro, calça bege, camisa branca, chinelão, bengala. Só falamos brevemente. Nenhum segurança por perto, ninguém vaiando. Pessoas acenavam para o ex-presidente. Uma figura que causava gosto ver. Você fez um relato que me comoveu.