Os candidatos estão freneticamente arrebanhando o máximo de votos para este primeiro turno. O pelotão de baixo luta para não desidratar completamente, mas o destino de Soraia, Tebet e Ciro parece definido entre o teto que alcançaram, 2, 5 e 7% e a redução a valores entre zero e 5%. Ou menos. Já os dois cabeças de chave batalham, Bolsonaro para ir para o segundo turno e Lula para liquidar a fatura no dia 2 de Outubro. Lula está apelando para o voto, muito bem definido por um articulista da Folha, como “de sobrevivência”, atraindo eleitores, sobretudo de Ciro. Bolsonaro continua derramando benesses a mancheias; uns reais a menos no preço do diesel e da gasolina, tentativas de soltar mais dinheiro vivo na mão dos eleitores na última semana, aceleração das liberações dos recursos do orçamento secreto, e outras mais. Tem contra ele os cortes na merenda escolar, reduzida a menos de 1 real por criança, da quase liquidação do programa de medicamentos grátis, da paralisia do programa de financiamento de casas garroteado pela taxa de juros nas alturas. E, sobretudo, pela inflação de alimentos que corrói os valores do Auxílio Brasil dia a dia. Por outro lado, Bolsonaro eleva o tom da enxurrada de mentiras sobre Lula e o PT, tanto nos programas oficiais assim como, e sobretudo, na difusão de agressões via mídia eletrônica e pela pregação cada dia mais ensandecida dos seus pastores militantes.

Vão dar resultado estas estratégias? Para Bolsonaro parece improvável que retome aquele lento crescimento que foi fechando a “boca do jacaré” desde maio passado, deixando-o a 10 pontos de distância do Lula. Para Lula a possibilidade de voltar a crescer na reta final é bem real. Além do voto vindo de ciristas, há a clássica tendência de os indecisos aderirem ao provável vencedor nos últimos dias de campanha. Há um porém a ser considerado: o crescente sentimento de medo de muitos eleitores lulistas frente às constantes ameaças e violências perpetradas pelos bolsonaristas, e que pode levar uma parcela a se abster. Também não podemos esquecer que o eleitorado do Lula é predominantemente de pobres, que terão mais dificuldades de deslocamento no dia das eleições, sobretudo se os serviços públicos de transporte falharem, por causas naturais ou intencionais. De toda forma, Lula tem que ganhar pelo menos mais 5% de votos para levar sem dúvidas e questionamentos este primeiro turno.

Na febre da luta pelo voto está claro que a campanha do Lula não está considerando a hipótese de ganhar e não levar. Na reunião dos “intelectuais progressistas orgânicos” com a campanha do Lula, representada por Luiz Dulci, levantei a questão do risco de golpe e, a meu ver, a resposta foi que não existe nenhum plano de contingência do PT, da campanha ou do Lula. Pelo jeito, dá-se por contado que Bolsonaro não vai ter forças para dar o golpe.

Considero isto um erro colossal. Bolsonaro vai ter forças para dar o golpe? Talvez sim, talvez não, mas não tenho dúvidas de que vai tentar.

A primeira especulação é sobre o timing do golpe ou da tentativa de golpe. Depois do primeiro turno ou, no caso de a fatura não ser liquidada neste momento, depois do segundo turno? A meu ver ele vai tentar no dia 3 de outubro. Há duas razões para esta afirmação. A primeira tem a ver com a insistência de Bolsonaro em desmentir as pesquisas mostrando as suas “massas” nas ruas e praças no dia 7/9. Como ele mesmo repete dia a dia, é o Datapovo contra o Datafolha. Há uma crescente insistência das mensagens nas redes, lançadas pelo gabinete do ódio, afirmando que Bolsonaro já ganhou no primeiro turno, e com larguíssima margem de vantagem sobre Lula. Ele mesmo repetiu a insanidade no seu comício londrino. A segunda razão é de caráter lógico. Se Bolsonaro aceitar os resultados do primeiro turno, no caso de ele conseguir fechar a boca do jacaré e impedir a vitória imediata do Lula, vai ficar mais complicado acusar uma trucagem das urnas no segundo turno. Tudo bem que a lógica não é o forte nem de Bolsonaro nem de seus bolsominions, mas para dar um golpe ele vai ter que convencer mais do que o seu gado de que as urnas foram trucadas. Em particular, ele vai ter que convencer os altos comandos das FFAA.

É claro que Bolsonaro conta com o apoio claro e desavergonhado do Ministro da Defesa, que faz parte da armadilha montada para questionar as urnas. Mas ele não tem, ao que se saiba, o apoio decidido da grande maioria dos generais. Eles podem odiar o PT e o Lula, mas daí a se arriscarem em um processo de atropelamento das instituições é uma outra história. Para este grupo, preocupado em não correr riscos em suas carreiras e conscientes da falta de apoio de seus “mestres” americanos, vai ser preciso um script consistente para levá-los a aderir. Daí a necessidade de Bolsonaro de precipitar o desenlace da tragédia já no primeiro turno. Lula ganhar no primeiro turno é um elemento inibidor para a adesão da generalada, sobretudo se a vantagem for bem significativa.

Como já disse várias vezes, e ninguém disse o contrário até agora, um golpe “clássico” é bastante difícil. Entenda-se por golpe clássico aquele que põe os tanques nas ruas, fecha o Congresso e o STF, mete o sarrafo em qualquer manifestação de oposição nas ruas, estabelece a censura na imprensa, TVs e rádios, fecha sindicatos, dissolve partidos, prende opositores, etc. Lembremos que nem em 1964 foi assim. O golpe naquele ano se fez com a colaboração da maioria do Congresso. Foi no AI-5 que se aplicaram as medidas mais brutas entre as acima mencionadas.

Os golpes, hoje em dia, estão sendo dados com a colaboração das instituições, em particular os parlamentos. Se Bolsonaro pede a anulação das eleições o nosso Congresso aprovaria? Esta é outra especulação interessante. Se, como se prevê, o Centrão vai eleger 170 deputados e os partidos da direita não bolsonarista uns 150, por que eles apoiariam a anulação das eleições? É claro que eles preferem, mesmo os que não apoiam Bolsonaro diretamente, que o energúmeno fique no poder. É um presidente fraco e que está sob controle destas legendas. Mas se ele ficar no poder via um golpe institucional ele vai ganhar mais musculatura para mandar no Congresso. O tiro, para o Centrão poderia sair pela culatra. Para o Centrão a eleição de Lula não é o fim do mundo, apesar da discurseira de “bem contra o mal”. Como bons oportunistas, os próceres do Centrão sabem que poderão negociar apoio com o Lula, como já fizeram no passado.

Então, o golpe não passa no Congresso? Depende. Esta é a especulação mais perigosa. Só com os arreganhos de Bolsonaro o Congresso dificilmente vai votar a anulação das eleições, o Estado de Sítio ou qualquer outra medida que permita a continuidade do presidente em seu cargo. Imaginemos agora um cenário de caos político, com manifestações pró e contra a anulação das eleições, com as polícias militares favoráveis a Bolsonaro metendo o pau e mesmo atirando contra as multidões favoráveis a Lula. Imaginemos uma parcela mínima de 1% do milhão de CACs organizados nos clubes de tiro e recentemente convocados pelos filhos do presidente a se prepararem para defendê-lo. Estes devem ser a parcela de ex-militares ativos nestes grupos e afeitos ao uso de armas e à táticas de combate. 10 mil provocadores disseminados por todo o país e fortemente armados e municiados podem provocar centenas de atentados contra opositores, fechamento de estradas, destruição de sedes de partidos de esquerda ou sindicatos, invasão de jornais e TVs desfavoráveis ao energúmeno, etc. Com sangue correndo e o caos armado por Bolsonaro, qual vai ser a reação dos altos comandos das FFAA? Lembremos que Bolsonaro conta com o apoio entusiástico da maioria dos oficiais médios (tenente a coronel), que são os que tem o controle direto das tropas. Não creio que eles tomarão a iniciativa sem os seus superiores comandarem, mas os generais vão ser pressionados pelo sentimento da caserna. Não duvido que neste cenário os comandos das FFAA vão apoiar a decretação do Estado de Sítio e a anulação das eleições. Neste caso o procedimento clássico é decretar prontidão militar e mandar um ultimato para o Congresso. É uma especulação das mais óbvias que Bolsonaro vai acionar a cenoura junto com o bastão, ou seja, vai negociar com o Centrão e outras forças da direita no Congresso o apoio a suas medidas em troca de vantagens e garantias para deputados e senadores. Sendo quem são estes personagens oportunistas e sem qualquer princípio democrático que os oriente, a possibilidade de uma capitulação é considerável.

A meu ver, Bolsonaro está açulando a sua base preparando a convocação de manifestações pela anulação das eleições já nos dias que se seguirão ao pleito. É de se esperar que Lula, os partidos da sua aliança e todas as forças democráticas da sociedade civil irão reagir, provavelmente evitando se manifestar no mesmo dia, para evitar um confronto. Com as massas antibolsonaro nas ruas e praças, o alvo para atentados e agressões tanto pela militância bolsonarista como pelas milicias armadas vai ser perfeito. Os choques vão dar ensejo à intervenção das polícias militares, dissolvendo brutalmente as manifestações. E aí? A sequência do script de Bolsonaro é clara, pedir ao congresso a anulação das eleições e o Estado de Sítio. Mas do nosso lado, qual vai ser a proposta? Vamos correr para o STF e pedir o afastamento de Bolsonaro? Vamos chamar novas manifestações, sabendo que o outro lado está disposto a matar e ferir sem remorso? Vamos fazer abaixo assinados de personalidades e empresários? Todas estas medidas são razoáveis, mas não tem nenhuma influência em um enfrentamento em que as armas estão falando.

A vitória do golpe é, nesta lógica, inevitável? Se deixarmos a iniciativa nas mãos de Bolsonaro eu temo que as chances de resistirmos serão imponderáveis e, provavelmente, pequenas. O imponderável é a reação não planejada das massas, que pode levar a generalda a reconsiderar as suas posições e, sem os altos mandos das FFAA, considero que uma sublevação dos comandos médios altamente improvável. Sem as FFAA os outros atores armados, polícias e milícias, tenderão a se encolher, depois de algum estrago localizado.

Não temos condições de impedir a tentativa de Bolsonaro, mas podemos limitar suas chances de sucesso. Em primeiro lugar, as direções políticas dos partidos da frente por Lula têm que admitir esta possibilidade de golpe e começar a denunciá-la. Já, não depois das eleições. A segunda frente para inibir a pressão dos generais seria uma declaração de todos os candidatos afirmando a confiança nas urnas e o respeito pelos resultados. Algo forte, uma espécie de juramento democrático contra qualquer tentativa de golpe. Os partidos políticos do Congresso deveriam ser convocados para uma manifestação de mesmo caráter. E os movimentos da sociedade civil que promoveram o manifesto e atos do dia 13 de agosto deveriam ser chamados a lançar uma nova iniciativa, tão ampliada quanto possível. A mobilização de apoios internacionais em respeito aos resultados das urnas é algo igualmente óbvio e até mais fácil de promover.

Se prepararmos as nossas bases para o risco do golpe, elas reagirão prontamente a uma convocação a manifestações em defesa do resultado das eleições, já no dia seguinte. E elas terão que ser muito massivas para poder inibir as ações de Bolsonaro e, sobretudo, da generalada.

O tempo é muito curto para que essas iniciativas germinem, sobretudo sob a pressão inexorável da disputa eleitoral. Mas uma comissão de crise com dirigentes de peso de cada partido poderia promovê-las com muita velocidade, já que as ameaças não são sequer disfarçadas. O perigo maior agora é a crença generalizada de que Bolsonaro late, mas não morde. É verdade que o energúmeno não se destaca nem pela acuidade estratégica nem pela bravura, mas um pitbul encurralado pode fazer um grande estrago até ser dominado.

Antes de terminar, quero fazer uma observação para o(a)s que classificam estes meus alertas sobre a ameaça de golpe como alarmismo. Se vocês acham que Bolsonaro vai abandonar a presidência como um educado democrata, ou se acham (mais provável) que ele vai bufar, rosnar, latir e ameaçar, mas que o resultado vai ser que nem o xabú do 7 de setembro do ano passado eu apenas respondo que espero, com todas as forças do pensamento positivo, que vocês tenham razão. Mas muitos de vocês foram dirigentes de partidos políticos e devem se lembrar de algumas regras que eram (ou deviam ter sido) de uso. Sempre se deve, em política como na guerra, analisar cenários alternativos numa escala do menos ao mais favorável. Frente a estes cenários era usual que se fizessem planos de contingência e que se preparassem ações para cada caso. O que estou propondo agora é a preparação para o pior caso, ou melhor, para o segundo pior caso porque o pior mesmo é ele vencer as eleições.

Dirijo este texto, em particular, para os dirigentes do PT, PSB, PCdoB, PSOL, Rede, PV, Solidariedade, Avante e Agir. Acordem! Prudência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.