Gigante adormecido – autor desconhecido.

 

O primeiro turno das eleições deste ano traz uma notícia nada alvissareira: o extremismo de direita chegou para ficar. Bolsonaro pode até perder a eleição, mas o bolsonarismo fez sua metástase. Não adianta tapar o sol com a peneira: o bolsonarismo teve várias vitórias em todo o País, como atestam, por exemplo, a reeleição de Ratinho Júnior, de Carla Zambelli, de Magno Malta, de Romário e outros aliados de peso, sem falar da eleição de Marcos Pontes, Damares Alves, de Mourão e de vários outros, tanto no Sul quanto no Norte e no Centro-Oeste do Brasil. O PL, partido do presidente, ficou com a maior bancada no Senado e na Câmara! Bolsonaro ganhou, as pesquisas e seus institutos perderam. Lula pode até vir a ser o próximo presidente, mas o bolsonarismo está infelizmente enraizado. O Brasil, ou parte dele, experimentou a extrema direita e… gostou. 

Parodiando o título famoso do cientista político Yascha Mounk “O povo contra a democracia”, podemos claramente dizer que o brasileiro está contra o Brasil. Enfim, instalou-se uma dissonância cognitiva nada fácil de eliminar. O quase empate técnico de Bolsonaro e Lula, à luz da razão, já é por si só um verdadeiro escândalo. Mas o que está à luz da razão? Como se sabe e não se procurou deter, a máquina pública foi longa e espertamente acionada numa permanente campanha, e os resultados são muito satisfatórios. Ao contrário do que se disse e ainda se diz, as instituições não funcionaram normalmente. Como quer que seja, Bolsonaro ganhou de lavada. Por que ganha? Eis a pergunta que desafia o campo democrático.

Por que ganha um candidato que, sendo presidente, não tem vitórias e êxitos nas áreas da Economia, da Saúde, do Meio Ambiente, da Educação? Pelo contrário, foi um candidato que as maltratou com som e fúria. Um candidato que, fazendo uma gestão negacionista na pandemia, legou mortes a granel, deixando um rastro de luto e de revolta em todo o País. O que será que os doutos analistas deixaram de ver? E, afinal, o que conta para o eleitor comum? Ao que parece, nem Economia (há milhões de desempregados e famintos no País), nem Educação, nem Saúde (a dor da pandemia foi esquecida? A CPI da Covid nem se fala), nem Meio Ambiente (será a Amazônia uma abstração para grande parte do eleitorado?). Apesar de seu descaso, de sua falta de preparo e  empatia, Bolsonaro ganha. Apesar de ser contra a Constituição Federal, ele ganha. Noutras palavras, nossa incipiente democracia continua por um fio, órfã da própria sociedade, que dela deveria cuidar. Um subestimado Bolsonaro continua vitorioso, aliás como já tive oportunidade de dizer mais de uma vez aqui na revista “Será?”.

Bolsonaro ganhou o primeiro turno, mesmo com Lula à frente por um mínimo percentual de votos. O diabo é mais esperto do que se pensa. Que fazer? Como escreveu Yascha Mounk no prefácio da edição brasileira de seu inteligente e já citado livro: “Para resgatar o país, os defensores da democracia precisam provar para seus concidadãos não só que Bolsonaro é ruim para a nação, como também que eles podem fazer um trabalho melhor”. Enfim, não basta caricaturizá-lo, não basta falar mal dele e criticá-lo. É preciso mostrar serviço, e é nisso que os democratas estão falhando.

Agora, uma pergunta aos especialistas: o eleitor está mais cauteloso ou simplesmente afirma democraticamente o seu conservadorismo? Sim, Bolsonaro, um extremista perigoso e golpista, é alguém que assume e vocaliza sem pudor, a seu tacanho modo, o conservadorismo que não ousava dizer seu nome. Não por acaso, as elites econômicas continuam a apoiá-lo com os braços abertos da ignorância, do oportunismo e da mesquinhez. Para elas, o Brasil real, enquanto nação, é um simples pormenor…

Em suma, a política é literalmente um bom negócio para bolsonaristas e criptobolsonaristas. E é sensato reconhecer que o bolsonarismo já deu certo. No mais, por favor, nada de golpe, que coisa mais antiga! Pra que golpe, se as urnas são bolsonaristas? Que o provem, do Oiapoque ao Chuí, os eleitos aliados, o que desde já demonstra a força, no Legislativo e nos governos dos estados, do presidente da República.

O gigante cochila: nem está acordado nem dorme profundamente. Talvez desperte no segundo turno. Por ora prefere esse meio termo, essas águas mornas onde se dá ao luxo de dar um tempo… Dar um tempo? Será? Dar um tempo quando o tempo urge, e o povo, sem consciência, dá um tiro no próprio pé, senão no próprio coração?!!! Dar um tempo quando cai na cilada da polarização? Mas, com um olho na História Geral deste insensato mundo, reconheçamos que o Brasil não é o primeiro nem será o último país a cair nesse “transtorno bipolar”. Um dia sairemos dele. Sobre isso, o candidato e ex-presidente Lula tem sido explícito e construtivo, e a Frente Ampla que tem formado mostra que não é mero discurso e ainda pode mudar o curso dramático do País.