Nordeste analfabeto, Nordeste vencedor. Cajá, mangaba, caju. Abaeté, Japaratinga, Tambaú. Tapioca, açaí, acarajé. Frevo, ciranda, axé.

Somos regionais antes de sermos estaduais. Não é possível falar de Sudeste como se fala de Nordeste. Porque no Nordeste há uma unidade de sol. De sotaque. De ritos. E de rio. São Francisco. E porque São Paulo é uma nação. E Minas Gerais é um anjo barroco.

No Nordeste há identidade. Na integração. Há o mar de dentro, a praia, e o mar de fora, jangadas. Saudades triangulares. Há afetos gratuitos, sorrisos contidos, chapéus de couro, guaiamum e caçuá. As peixeiras foram arquivadas na trincheira da construção civil. E nos maçaricos da construção naval.

O Nordeste é dionisíaco. Brincante como Antônio Nóbrega, no expresso 2222 de Gilberto Gil, no xenhenhém de Ascenço Ferreira, na escultura dengosa de Abelardo da Hora. Derruba igrejas. Mas admira palmeiras, mangueiras e coqueiros. Primeiro, as de Olinda. Depois, os do Ceará.

Ah, e a Florença tropical de Albert Camus, encantado com a brisa do Recife ? Quando ainda inexistia a Rosa dos Ventos de Cícero Dias ? Quando ainda comíamos a peixada do Maxime. Quando ainda bailávamos, no flutuante iluminado, na Aurora do Capibaribe. Quando Carlos Pena pintava a calçada de azul. Para, décadas depois, a belle de jour de Alceu passear.

Como disse Gilberto Freyre, nem separatismo nem bairrismo. Apenas um toque armorial. Porque “o Nordeste é inexcedível na riqueza de tradições”. Na realidade, São Luis do Maranhão, Teresina, Aracaju, João Pessoa, antigas metrópoles adornadas de valores. Rastros de holandeses, traços de franceses, lembranças de espanhóis. Tudo junto e misturado. Na enorme festa do Carnaval.

Mas é essencial falar sobre o mucambo. A arquitetura de morar, como chamou Tom Jobim uma de suas canções. Harmonizado ao clima nordestino, convivente com as águas, as cores, a natureza, a brisa, a palha dos coqueiros, painel de azuis e verdes de região única. Recebendo de braços abertos os vermelhos de Teresa Costa Rego. Emoção, tessitura, coração. E, observando tudo isso, no silêncio de magistral concepção, dono de seu parque, no alto do Cabo de Santo Agostinho, o arquiteto. Armando Holanda.

Este é o mistério do Nordeste.

Para encerrar, faltava só o engenheiro. Engenheiro e poeta. Não falta mais. Joaquim Cardozo. É dele a palavra final:

Antes do amor, antes da vida,

Nessa pedra, hirta memória

Inclui, compõe, guarda silêncios

Das mais remotas harmonias

Perenemente as noites guarda

Dos longínquos primeiros dias”.