De mãos abanando, o Brasil retornou da Copa do Mundo da Fifa. E o brasileiro, por galhofa e espírito mágico, logo viu nesse sofrido azar as digitais do gato que levou cartão vermelho. O animal foi apelidado de Hexa, mas deixou o palco televisivo com a brevidade de um pulo graças a um infeliz gesto de um assessor de imprensa da CBF, pelo visto pouco chegado aos felinos. Nas redes sociais, a reação dos amantes dos gatos não se fez esperar: caiu em cima da hora sobre o caso do desastrado assessor. Com memes, charges e textos, fez-se um coro geral: não se trata um gato daquele jeito, muito menos um gato chamado de Hexa, cobiçado título que só o glorioso Clube Náutico Capibaribe ousou conquistar! O caso é de maus-tratos, e não por acaso (segundo noticiou o “Estadão”, no último domingo, 11/12) a ONG Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal está “[…] pedindo uma retratação pública e o pagamento de R$ 1 milhão” para, digamos, reparar o direito espezinhado do bichano.

Uma explicação para a derrota contra a Croácia ofusca as demais interpretações. O indigitado gato teria se vingado do tratamento nefasto que recebeu dos brasileiros. A chamada “lei do retorno” não tardou a devolver, com um capricho felino, a hostilidade sofrida pelo animal. Não se segura um gato daquela maneira: dizem os veterinários que o bicho “congela” e se estressa. Gato requer delicadezas, de resto condizentes com seu alto grau de inteligência, de astúcia e de mistério.

Em suma, o primeiro erro foi a precipitação em batizar de Hexa o anônimo gato do episódio. Soberba e arrogância dos humanos nacionais. O segundo erro foi fatal: o “arremesso” do gato, sua expulsão de cena. Aqui cabe relembrarmos o que diz o gato narrador do famoso romance japonês “Eu sou um gato”, de Natsume Soseki: “Todos os animais pressentem intuitivamente se algo é ou não apropriado”. No caso, além de suportar o pesado nome de Hexa, o felino sentiu no pelo a impertinência do gesto humano. Resultado lógico: a sublimação da desejada taça. 

“Taça do mundo” à parte, com esse gato não há quem possa… Ele nos deixa uma boa lição: é preciso tratar bem os animais, aprender com eles, interpretar-lhes os sentidos e a vida que dividem conosco. Para tanto, é preciso compreendê-los no seu “umwelt” e beber em livros notáveis como o clássico “A expressão das emoções no homem e nos animais”, de Charles Darwin; “A Era da Empatia”, de Frans de Waal, e “A vida dos animais”, do grande escritor sul-africano J. M. Coetzee. Nesse livro, Coetzee, em defesa dos bichos, lembra seu congênere o Nobel de literatura Isaac Singer, que “[…] faz um dos seus personagens comparar o comportamento humano em relação aos animais com o comportamento dos nazistas em relação aos judeus. Ele não diz que os crimes são igualmente maus, mas que ambos são baseados no princípio de que poder é direito e que os poderosos podem fazer o que quiserem com aqueles que estão em seu poder”.

Enfim, considerando o “retorno” do gato, não temos como mensurar todo o azar que ainda pode advir do episódio (Valerá para a próxima Copa? Esperamos que não. Mas não duvidemos de que o feitiço possa durar muitos anos…) Para ele, o gato, à semelhança da onça do dito popular, chegou a hora de beber sua refrescante água, enquanto para nós, ignorantes dos arcanos e do destino, ficou apenas uma triste e insaciada sede.