Em seu livro “Pontos Fora da Curva”, Olavo Nogueira, diretor executivo do movimento Todos para a Educação, concentra sua análise em reformas educacionais que deram certo. Especificamente destaca o programa Alfabetização na Idade Certa, iniciado de forma pioneira no município de Sobral e em seguida generalizado para todo o estado do Ceará e no pioneirismo de Pernambuco na implementação do ensino integral no ensino médio. De fato, os dois programas levaram os dois estados a dar saltos extraordinários no ranking do Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
Hoje 87 das cem melhores escolas do ensino fundamental são cearenses e dos cem municípios mais bem ranqueados no sistema de avaliação 77 estão no Ceará. Já Pernambuco em uma década pulou da 21ª posição no Ideb para a terceira posição, no ensino médio. Na educação não há, claro, uma bala de prata e reformas para serem exitosas devem ser implementadas de forma articulada e sistêmica. Mas já há vasta evidências científicas a indicar a necessidade de a alfabetização na idade certa e o ensino integral serem assumidos como uma política nacional e de estado, que não mude conforme o governo do momento.
Entre educadores há um clima de otimismo quanto a possibilidade disto acontecer, com a escolha do ministro da Educação, Camilo Santana, e de sua secretária-executiva, Izolda Cera. As primeiras declarações do novo ministro são alentadoras no sentido do MEC voltar a assumir protagonismo e um papel de liderança, deixando para trás os anos em que a prioridade da aprendizagem foi substituída por uma visão ideológica distorcida. Claramente, Camilo definiu o ensino básico como prioritário – uma inflexão até mesmo do que foram governos petistas pretéritos que priorizaram o ensino superior – e de focar nos exemplos bem-sucedidos do Ceará e de Pernambuco.
Até agora os promotores da expansão dos dois programas tem sido governos subnacionais. No caso da expansão do ensino integral isso salta aos olhos. Já há uma experiência sobre a qual se pode refletir e extrair as lições necessárias para o aperfeiçoamento de um modelo de ensino que fará toda a diferença tanto para o ingresso de nossos jovens no moderno mercado de trabalho, como para o acesso ao ensino superior. De fato, há números a comemorar. Pernambuco, estado pioneiro que iniciou seu programa em 2004, tem hoje 70% de suas escolas do ensino médio em jornada de tempo integral.
Em alguns casos, a expansão se deu de forma vertiginosa. É o caso da Paraíba. Em 2017 o estado tinha pouco mais de 10% de suas escolas nesse tipo de ensino e hoje tem quase 70%. Já o Ceará saltou de quase 30% para pouco mais de 50%. Alagoas, de cerca de 15% para quase 50%. Sergipe também fez uma evolução de cerca de 10% para 40% entre 2017 a 2022, segundo estimativas do Instituto Sonho Grande.
Já São Paulo iniciou o seu Programa de Ensino Integral em 2012, mas sua expansão só ganhou velocidade nos últimos quatro anos. Nesse período, as escolas de tempo integral cresceram seis vezes. Em 2018 eram 364 escolas, em 2022 passou para 2050 escolas e no início do novo ano letivo serão 2.311 escolas de tempo integral.
Ou seja, em quatro anos saltou de 6% de sua rede com ensino integral para 40%. Por sua vez, o número de vagas cresceu dez vezes no mesmo período, passando de 115 mil para 1,2 milhão de vagas. O ensino integral espraiou-se por todas as regiões do Estado, chegando a 492 municípios, 3,5 vezes mais do que em 2018, quando apenas 140 municípios contavam com escolas de tempo integral. Hoje 62% das escolas PEI funcionam em turno único de nove horas aulas e 38% oferecem dois turnos diários de sete horas.
O ensino integral no Brasil chegou ao estágio de não retorno e a tendência é que continue se expandindo, até porque estados como o Ceará e São Paulo definiram como meta sua universalização para o ensino médio até 2026.
Os números já alcançados são dignos de comemoração, mas não se pode ignorar que o Brasil está atrasado na implementação dessa modalidade de ensino, quando comparado com os países desenvolvidos. A média da jornada regular de aulas no Brasil é de quatro horas, enquanto há décadas os países mais bem ranqueados no sistema internacional de avaliação tem um jornada diária de aula de sete a nove horas/dia.
Também estamos atrasados em outra questão fundamental, o ensino profissionalizante, associado à formação acadêmica. Isso requer a escola de tempo integral. Ao concluir o curso básico, o aluno deveria sair com dois diplomas: o do ensino médio e o de uma profissão, possibilitando, tanto ingressar no mercado de trabalho, como no ensino superior.
Quando comparamos nossa realidade com a dos 37 países da OCDE somos detentores da segunda pior taxa de formação técnica e profissional entre os formandos do ensino médio. Aqui apenas 9% dos alunos concluem a educação básica com um diploma do curso técnico, enquanto a média da OCDE é 38%. No Reino Unido e a Áustria o percentual ultrapassa 60% e nos Estados Unidos e na Alemanha chega a 50%.
São indiscutíveis os impactos positivos do ensino integral no processo de aprendizagem e, em consequência, em indicadores sociais relevantes. Já há evidências científicas comprovando que o aluno do ensino médio com tempo integral, ao concluir o curso, teve uma aprendizagem o dobro da do aluno de tempo parcial.
Pesquisas realizadas em São Paulo e Pernambuco indicam que os alunos de jornada integral têm maiores chances de ingresso no ensino superior e de alcançar postos de trabalho mais qualificados e com melhores salários. Essa modalidade de ensino impacta positivamente na diminuição da evasão escolar e da repetência bem como na recuperação escolar.
Alfabetização na Idade Certa e Ensino Integral estão na fronteira das reformas educacionais estruturantes e devem se constituir nos pilares de uma política pública que nos leve a ter uma educação com parâmetros dos países desenvolvidos.
Naturalmente, há vários desafios a serem enfrentados. Entre eles o de não deixar ninguém para trás, particularmente os alunos mais vulneráveis, obrigados a trabalhar para completar a renda familiar. Mas isto se resolve não com a diminuição do ritmo de expansão do ensino integral e sim com políticas públicas de transferência de renda.
Colaboração entre municípios, estados e união, com o restabelecimento do pacto federativo, é a chave para a educação cumprir o seu papel de promotora da equidade, condição indispensável para a construção de um país próspero e socialmente justo.
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