We The Peoples by Norman Rockwells

 

Hannah Arendt disse que não se faz política sozinho. É preciso o outro. O agir conjunto. Se há um outro na política, que vínculo os une? O interesse, óbvio. Mas, somente interesse, por si, não sustenta a relação de lealdade. É preciso que haja alicerce. Algo mais profundo, sensível, legítimo que mero interesse. Segundo Robert Dahl, esse algo é a confiança. O ativo intangível mais valioso na política. Políticos não trocam cartas. Nem vão ao cartório. Políticos se apalavram. Fiador? Confiança.

Vale a história de cada um. Os valores que cada um cultiva. A qualidade política que cada político apresenta. A si próprio, ao outro. E ao eleitor. Exemplos são muitos. Ao gosto.

Na Espanha, a democracia foi salva no Acordo de Moncloa vencendo a ditadura de Franco. Sob a inspiração do rei Juan Carlos. Foi a palavra e o exemplo do rei espanhol que garantiu as assinaturas de políticos e sindicalistas, coparticipes do acordo.

Na Inglaterra, a aprovação da monarquia, posta à prova no episódio da morte de Diana, foi baseada na confiança do povo na rainha Elizabeth II. Modelo de dedicação à causa do regime.

Nos Estados Unidos, a política americana tem exemplo e contraexemplo. O exemplo foi Franklin Delano Roosevelt. Que acreditou no programa de Keynes para enfrentar o desemprego com fortes investimentos públicos. Reelegeu-se presidente da República três vezes. O contraexemplo foi o general Dwight Eisenhower. Comandante das forças aliadas na Segunda Guerra, seu ramo, tornou-se herói. Eleito presidente, não sendo da política, foi luz tênue, sem brilho.

No Brasil, o presidente Getúlio Vargas, fundador do Brasil moderno, fez opção pelos carentes. Considerado pai dos pobres pelas massas. Criou a carteira de trabalho e a CLT. Como presidente eleito, fundou o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. Sua coerência o levou de volta ao Catete pelo voto. E montado na confiança popular.

Essas considerações vêm a propósito da estratégia de campanha de Bolsonaro. Ele não considerou políticas públicas. Não trabalhou o discurso anunciado do liberalismo. Não se dedicou a fundo ao governo. No Recife, não saiu da Base Aérea para solidarizar-se aos atingidos pela tragédia.

Faltando quatro meses para ele concluir o mandato, enxerga-se a evidência: o presidente não se reelege. Não apenas por causa do saldo negativo do governo. Pobre de resultados. Um lema sem lenda. Crescimento baixo, inflação alta. Em peregrinação de misericórdia eleitoral, erra na estratégia.

Erra no perdão a parlamentar que atacou o regime democrático. E ofendeu o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, o presidente colocou correligionário acima da lei. Isto não inspira confiança ao eleitor.

Erra ao insistir que urnas eletrônicas são inseguras. Depois de as urnas servirem, com segurança, a mais de uma dezena de eleições federais, estaduais e municipais. Pesquisa recente mostra confiança de 73% do eleitor na urna eletrônica.

E erra pensando que auxílio de emergência viabiliza voto para presidente. Não é óbolo que dá confiança. E decide o voto. É o conhecimento do processo de decisão. O propósito do decisor. A maturidade técnica do programa. Não é simplesmente mudar o nome do projeto. Isto não gera vínculo. Nem voto. Esta é a singeleza da política. Coerência. Seriedade. Que gera admiração. E desperta confiança. O povo não é bobo.