Um ano da estúpida invasão da Ucrânia pela Rússia deixa um rastro lamentável de 180 mil mortos ou feridos nas fileiras do Exército russo e 100 mil das tropas ucranianas, além da morte de 30 mil cidadãos ucranianos (estimativa do comandante do Estado-Maior norueguês, Erik Kristoffersen) e a destruição parcial da estrutura econômica e do patrimônio material do país invadido. A guerra provocou uma desorganização da economia mundial (inflação e crise de suprimento), e uma reconfiguração geopolítica, com o isolamento diplomático da Rússia, e sua aproximação com a China, tentando formar uma frente asiática contra a hegemonia ocidental liderada pelos Estados Unidos. Ao longo deste ano, a guerra ganhou uma escala global que reacendeu as tensões da Guerra Fria, que pareciam ultrapassadas, acompanhadas do temor do enfrentamento nuclear entre as grandes potências, Rússia versus OTAN.
Parece evidente que a aventura militar de Vladimir Putin fracassou, não conseguiu sequer controlar a região de Donbass, a leste do território ucraniano, parte do seu projeto de anexação da Ucrânia, que, segundo ele, não existe como país, e constitui “parte integral de nossa história, cultura, espaço espiritual”. Provavelmente, o presidente russo subestimou a capacidade de resistência dos ucranianos e a reação mundial contra a invasão de um país soberano, acompanhada do apoio significativo (político e militar) de quase todo o mundo. Infelizmente, no dia em que a invasão completa um ano, as tensões entre as grandes potências se acentuaram, com a visita intempestiva e provocativa a Kiev do presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, e a resposta violenta de Putin, reiterando a sua chantagem nuclear (suspensão do Tratado de Redução das Armas Estratégicas).
Depois de um ano de confronto militar e disputas diplomáticas e geopolíticas, a guerra entra em um delicado impasse. A Rússia não tem chances de consolidar e, menos ainda, ampliar a ocupação do território ucraniano, principalmente quando tiver passado o inverno, e for reforçado o poder militar da Ucrânia com os tanques oferecidos pela OTAN. Mas a Rússia não pode ser derrotada, Putin não pode ser humilhado com uma retirada pura e simples das suas tropas. Encurralado e sentado sobre um arsenal nuclear, o presidente russo não vai aceitar uma derrota degradante.
A estupidez não foi apenas de Putin. As potências ocidentais tiveram a sua parte.
Três perguntas:
1. Alguém acredita que a Ucrânia pode vencer uma guerra contra a Rússia?
2. Por que a OTAN não foi dissolvida, quando o Pacto de Varsóvia o foi?
3. Por que não se atendeu à única exigência formal de Putin: a não entrada da Ucrânia na OTAN (contra a opinião de políticos experientes como George Kennan e Kissinger?).
Cutucaram um urso hibernado com vara curta. E agora só os fabricantes de armas exultam.
Todos se equivocaron: Biden et al. Presionando a Putin con una jugada geopolítica muy atrevida al sumar Ucrania a las filas de sus aliados. Putin, por su parte, al tratar a Ucrania con absoluta falta de tacto, como subalterno indigno, e ignorando las dolorosas lecciones de este tipo de guerras imperialistas, perdidas de antemano.
Claro que valem e são justas as denúncias contra Putin, e o Brasil apoiou na ONU a condenação à invasão russa. Registro: o Ocidente gastou muito mais fornecendo armas à Ucrânia e apoiando o governo Zelensky do que com ajuda a refugiados. UNHCR, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados envia ao mundo todo santo dia apelos dramáticos por ajuda, pois o que mais tem crescido no mundo é o número de refugiados de guerra e desastres que não são naturais, e sim, socioambientais. O Washington Post apareceu esta semana com uma matéria que era mais ou menos “The West is united against Putin. And the rest?” “O Ocidente está unido contra Putin. E o resto?” O “Resto” talvez não queira se envolver diretamente, como, aliás, pouco se envolveu quando o Iraque invadiu o Kuwait ou quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. Prefiro que Brasil seja “the Rest”, ainda que se pretenda “the far West”. Que o Brasil seja um novo líder de “não alinhados” que busquem alguma negociação. A recusa do governo do Brasil em fornecer armas para a Ucrânia é um apelo à sensatez e contra a escalada. Melhor que dê os recursos equivalentes ao UNCHR. E que se reconheça uma nova situação de guerra que não parece fria mas parece eterna. Armamento no Brasil a gente quer para defesa, e que seja usado para controlar nossas fronteiras contra o contrabando de dinheiro, minérios, drogas, animais silvestres e seres humanos. E que em todas as guerras pacifistas serão xingados, isso a gente já viu nas guerras anteriores, até na do Vietnam.
Gostei da análise. Gostaria de ter forma de comunicação direta com você !