Uma amiga escreve. E diz que nasce a cada escrita. Como se abrisse uma janela. Para as palavras saírem. E o ar entrar. Ela está em Portugal. O ar daqui, de onde estou, é tropical. Traz cheiro de rio. E promessa de redenção.
Eu respondi que também nasço a cada dia. Com a manhã incendiada da várzea molhada. Mas também morro a cada dia. Na Ucrânia, na Turquia, na terra Yanomami. E, depois de morrer, renasço. Na esperança de conquistas cidadãs. No avanço de vitórias democráticas.
Vou falar sobre os verdes, verdes de vários tons. Uns mais claros, outros mais fortes. Todos igualmente amazônicos. Verde yanomami. Mas, antes, digo uma palavra sobre soberania. Fala-se muito sobre soberania. Quando se menciona a Amazônia. O que é soberania? Soberania é domínio, poder.
Soberania, como domínio, como poder, é o que faltou na Amazônia no governo Bolsonaro. Acabo de ouvir entrevista do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Ele analisou o processo de gestão (ou falta de) na Amazônia.
Ele acentuou três etapas: primeira, a má vontade do governo anterior de resolver a questão humanitária. Alegou-se, segundo ele, falta de verba. Depois, a dificuldade de aprovar uma GLO. Segunda etapa, veio o desmonte da FUNAI. A substituição de funcionários que fiscalizavam. O colapso orçamentário. E os primeiros sinais de insegurança alimentar dos indígenas. E de doenças em crianças e idosos. Terceira etapa, o aprofundamento da invasão da terra indígena. Por madeireiros, garimpeiros. Sob a conivência do governo. Lembre-se a histórica intervenção do ex-ministro do Meio Ambiente defendendo a passagem de boiada na floresta.
Pois bem. Como escrevi para minha amiga, em Portugal, hoje eu renasci. Ao ver no noticiário duas imagens: a chegada de policiais, de remédio, de comida na terra Yanomami. O enfrentamento a grupos de garimpeiros. Num dos rios da região. A abordagem. A coleta de material empregado no garimpo. A ação da força policial, quase apagada, na mente dos indígenas.
A segunda imagem foi a de reunião ministerial, presidida pelo vice-presidente da República, com dezenove ministérios. Para planejar e executar ação coordenada dos órgãos na Amazônia. Atuação coordenada e também transversal. Buscando harmonizar, programaticamente, as ações de infraestrutura, logística, alimentação, saúde, comunicação, segurança, manutenção de serviços.
A certa altura, um funcionário mencionou a necessidade de organizar uma atuação por, pelo menos, de seis a doze meses. Aí, fiquei preocupado. A atuação do setor público na Amazônia não tem prazo. Porque não é de governo. É de Estado. Política de Estado. Porque diz respeito à nação. Ao interesse nacional. Objetivo nacional permanente.
Tomo a última xícara de chá da noite. E lembro dos xamãs brancos que tinham o sentir indígena na alma: os irmãos Vilas Boas, Rondon, e tantos outros. Que deram até suas vidas em favor da Amazônia soberana. Vida soberana. Verdes soberanos.
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