Casamento no interior - autor desconhecido

Casamento no interior – autor desconhecido

 

“Quem pensa não casa”, diz o povo numa expressão ambígua que depõe, a depender do ponto de vista, não só contra o pensamento, como contra o casamento. E se formos pensar com os chamados “pensadores” aí é que a imagem do casamento fica mal na fita. 

Dentre os pensadores, o casamento quase sempre é malvisto. Eles não o veem com bons olhos e vão da chacota às mais negativas reflexões. Muitos, é de se imaginar, falam por experiência própria, outros como observadores, e praticamente todos com a consciência de que estão tratando de uma instituição tão velhinha quanto malconservada. Afinal, como anotou o nosso Millôr Fernandes, “Casamento é essa instituição em que as pessoas casadas colaboram permanentemente para destruir”. Pra acentuar a negatividade, o mesmo Millôr refletiu com graça: “Você só compreende o significado profundo de ‘sexo oposto’ quando se casa”.

A experiência negativa do casamento é uma percepção praticamente unânime. O escritor e dicionarista inglês Samuel Johnson afirmava, com o tradicional humor britânico, que um segundo casamento seria “o triunfo da esperança sobre a experiência”, ou seja, um primeiro casamento já era por si mesmo uma experiência pouco animadora…

Muitos autores chamam a atenção para o tédio e o hábito que corroem por dentro a convivência dos casados. Balzac foi um destes e aproveitou para fazer uma oportuna exortação: “O matrimônio deve combater incessantemente um monstro que devora tudo: o hábito”. Daí talvez a brincadeira da grande atriz Shelley Winters: “Todos os casamentos são felizes. Tentar viver juntos depois é que causa os problemas!”. O famoso Duque de La Rochefoucauld, cujas máximas, centradas nos rigores do amor-próprio, vêm atravessando os séculos, talvez tenha feito uma ligeira concessão ao afirmar que “Há bons casamentos, mas não os há deliciosos”. 

Não é incomum encontrarmos a imagem de que o casamento é uma prisão e até uma espécie de morte. “Quem casa morre um pouco”, disse o poeta paranaense Eno Wanke. Se não é morte, é um tipo de velhice, como apontou o filósofo Francis Bacon: “Todo homem se descobre sete anos mais velho na manhã seguinte ao casamento”. Por sua vez, Leonardo da Vinci viu no casamento uma espécie de estranha loteria: “O casamento é como enfiar a mão num saco de serpentes na esperança de puxar uma enguia”. Serpentes costumam não brincar em serviço, imagine quando são maioria! 

Uma visão caricatural do casamento também é muito difundida. O casamento é sempre algo ridículo, mas de um ridículo próximo ao perigoso e ao imoral: “O casamento é a soma de um homem e uma mulher, perfazendo um idiota”, disse Ben Jonson [sic], dramaturgo contemporâneo de Shakespeare. O autor de “Hamlet” não ficou muito atrás ao refletir que “O casamento faz de duas pessoas uma só, difícil é determinar qual será”. Voltaire, por sua vez, também fulminou o matrimônio: “O casamento é a única aventura ao alcance dos covardes”. Para o já citado Balzac, pelo menos artistas e poetas não deveriam se casar. Por sua vez, nosso Nelson Rodrigues, como era do seu feitio, ou seja, do seu estilo, via o casamento como algo moralmente insolúvel, sustentado por um implacável cinismo, no fundo uma hipócrita base diacrônica para uma conhecida entropia: “Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de ouro”.

A visão de um casamento que dura é claramente uma visão que, por assim dizer, ofusca, que vai de encontro à razão. Como se viu acima, Nelson Rodrigues ponderou a questão bem à sua maneira. Mas, como quer que seja, a duração de um casamento, tendo em vista seu cortejo de defeitos e perigos, é algo que raia pelo excepcional, pelo absurdo ou pelo miraculoso. Daí concluirmos com uma anedota vivida por nosso saudoso amigo Syleno Ribeiro de Paiva, advogado, homem público de grande cultura e inteligência e professor da Faculdade de Direito do Recife. Contava ele que um dia se deparara, no Chile, com um livro cujo título era uma dessas tiradas antológicas. Que dizia o longo e atraente título dessa obra? Era porventura uma síntese de muitas experiências da vida conjugal: “Casamento: o primeiro ano é difícil, os demais são impossíveis”! Syleno soltava uma boa gargalhada. Também nesse caso, rir parece ser o melhor remédio.