Em apenas dois anos, de maio de 2021 a maio de 2023, a configuração política do Chile flutuou entre uma Convenção Constitucional dominada por lideranças independentes e identitárias de esquerda e a eleição atual de um novo Conselho Constitucional com esmagadora maioria de direita. Entre os dois extremos, os chilenos elegeram um jovem Presidente de clara orientação esquerdista, Gabriel Boric. A Convenção Constituinte produziu um projeto de Constituição com avançadas regulamentações identitárias, ambientais e sociais, e com um modelo de autonomia dos povos originários, que foi amplamente rejeitado por um Plebiscito. Para evitar um vazio institucional ou a permanência da Constituição atual, foi eleito agora um Conselho Constitucional com a tarefa de redigir nova proposta, que também será submetida a outro Plebiscito. Este Conselho Constitucional será composto de apenas 50 membros (a Convenção tinha 155 membros) vinculados aos partidos políticos, que vão contar com a assessoria de um grupo de 24 especialistas escolhidos pelas duas casas Legislativas. 

Esta gangorra política chilena pode ser explicada por vários fatores circunstanciais, incluindo uma pandemia de Covid no meio, mas reflete, seguramente, as condições diferenciadas de representatividade em cada votação, num ambiente de forte polarização política. Os chilenos já demonstraram que são amplamente favoráveis à elaboração de uma nova Carta Magna, mas a maioria da população é conservadora, e se assustou com a proposta de uma Constituição marcadamente esquerdista e identitária. Mesmo considerando o predomínio da direita na composição do Conselho Constitucional, dificilmente haverá um retrocesso na formulação da nova Constituição do Chile. A direita chilena não é antidemocrática e não aposta numa ruptura constitucional, não pode ser confundida com o bolsonarismo, e sabe que não terá aprovação da maioria da população se defender regras constitucionais autoritárias, no estilo Pinochet. Até porque não é correto afirmar que a atual Constituição é a “Constituição de Pinochet”, como se tem propagado, na medida em que, ao longo dos governos democráticos da “Concertación” foram realizadas várias reformas constitucionais, principalmente em 2005, com a exclusão dos seus esqueletos autoritários. O presidente Boric parece resumir bem a responsabilidade do Conselho Constitucional, no seu chamado à principal força de direita na Constituinte: “Quero convidar o Partido Republicano, que conquistou uma maioria inquestionável, a não cometer os mesmos erros que cometemos”.