Parece que o presidente Lula da Silva acredita mais nas narrativas que nos fatos, dados e evidências apresentadas em reportagens, estudos e relatórios técnicos. Para ele, as denúncias de autoritarismo, violência política e desrespeito aos direitos humanos na Venezuela, contidas em relatórios das Nações Unidas e do Human Rights Watch, para citar apenas dois, são narrativas que falseiam a realidade. Entre outras denúncias, o Conselho de Direitos Humanos da ONU estima que, no auge da repressão do regime à oposição, entre 2018 e 2019, mais de 7 mil pessoas foram vítimas de execuções extrajudiciais. No mais recente relatório, a Missão das Nações Unidas cita casos de torturas, espancamento, choque elétrico e asfixia, praticados por agentes de segurança na repressão aos dissidentes políticos. E relatório publicado pelo Human Rights Watch afirma que “o governo de Nicolás Maduro e suas forças de segurança são responsáveis por execuções extrajudiciais, desaparecimento forçado de curto prazo e prisão de oponentes, processos de civis em tribunais militares, torturas de detidos e repressão de protestos”. 

Ignorando todos os documentos e testemunhos, Lula continua afirmando que a Venezuela é uma democracia e é vítima de preconceito e de narrativas. Na recepção a Maduro em Brasília, o presidente brasileiro recomendou que o ditador venezuelano escrevesse a sua própria narrativa para confrontar as informações, os depoimentos e os relatórios de instituições responsáveis e isentas. Não se sabe se Lula leu esses relatórios e os ignora ou, simplesmente, prefere não ler nada que possa desagradar suas convicções, preferindo aceitar as narrativas do seu amigo bolivariano. Quando a sua defesa entusiasta da ditadura venezuelana foi criticada pelos presidentes do Uruguai e do Chile, Lula foi grosseiro e desrespeitoso, afirmando que não sabia onde os dois se informavam sobre a realidade da Venezuela. A ele basta o depoimento do ditador Maduro. 

As declarações de Lula sobre a Venezuela são tendenciosas e um desserviço à diplomacia brasileira, além de totalmente inoportunas, quando ele reúne os chefes de Estado da América Latina com a intenção de recriação da Unasul. Para agradar aos seus amigos, pretensos líderes de esquerda, Lula está perdendo, rapidamente, a simpatia que mereceu de todo o mundo, depois que o seu governo retirou o Brasil da posição de pária internacional, criada por Bolsonaro. Aos poucos, mesmo de forma muito diferente do modelo predador do seu antecessor, a política externa de Lula ameaça levar o Brasil a um lamentável distanciamento de grandes parceiros econômicos e diplomáticos internacionais. E está criando uma desnecessária dissenção política na América do Sul, desperdiçando a oportunidade do encontro de Brasília, que deveria promover a integração e a convergência em torno de políticas e projetos para lidar com os grandes desafios do continente.