Grande parte dos discursos e das iniciativas do Presidente da República mostra uma total desconsideração pelas forças políticas do centro-democrático que ajudaram a elegê-lo para o terceiro mandato presidencial, derrotando o candidato a ditador Jair Bolsonaro. Esta desconsideração se manifesta tanto no plano interno, cujo melhor exemplo foi a tentativa grosseira, e felizmente fracassada, de desmontar o Marco Regulatório do saneamento, quanto na política externa, como a mais recente recepção de gala ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. Neste terreno das divergências políticas, ele parece mesmo ignorar a posição do centro-democrático, reeditando velhas e anacrônicas ideias e medidas imediatistas e voluntaristas, como o tal carro popular. E, no entanto, ele está sendo levado a ceder ao jogo sujo da política para atender às demandas de parte do Centrão, que não briga por visões políticas, preferindo barganhar posições de poder e distribuição de recursos orçamentários. Em todas as votações no Congresso, a liberação de emendas parlamentares tem funcionado como meio de troca do voto dos deputados fisiológicos, independentemente do conteúdo e dos impactos dos projetos. E agora, passados apenas seis meses do governo, o Centrão começa a disputar posições de poder na Esplanada dos Ministérios, como contrapartida do seu apoio político.
Nenhum presidente pode governar sem apoio no Congresso, o que é expressão do regime democrático. Mas existe uma diferença entre as negociações políticas do Chefe do Executivo com o Congresso e a simples entrega do poder ao Centrão, como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os líderes do Centrão estão testando a capacidade do presidente Lula de resistir às pressões e barganhas patrimonialistas e fisiológicas. Com um pragmatismo que beira o cinismo, o deputado Washington Quaquá (PT-RJ), vice-presidente nacional do PT, defende que o presidente Lula não ceda ministérios e, ao contrário, use e abuse da distribuição de recursos orçamentários, mecanismo que seria suficiente para comprar o voto dos parlamentares. Falando da pressão do União Brasil por mudança ministerial, ele ironizou dizendo que “se o governo der R$ 50 milhões para cada deputado do União Brasil, 90% deles vão votar com a gente”. Quaquá afirma que os deputados de oposição recebem os 50 milhões, independentemente da matéria, votam nas propostas de Lula, e continuam na oposição, falando mal do governo à vontade, para manter o voto do seu nicho eleitoral. Este é o lado sujo, que infelizmente termina criando um estigma negativo da Política, esta que deve ser o espaço fundamental de negociação de interesses, visões de mundo e decisões sobre o futuro da nação.
É verdade que parece que Lula não traçou uma linha para delimitar os limites de novo modelo de Presidencialismo do coalizão. Depois da catástrofe Bolsonarista, se não traçou, vai se dá mal. Porém , é preciso entender que os apoiadores do segundo turno(bloco de Centro Democrático) ou os que teoricamente deviam fazer parte do Centro Democrático não se apresentam com proposta ou reivindicações públicas. Não se ouve uma única declaração sobre o trabalho da Ministra Simone Tebet, que representa esse Bloco. Partidos de tradição democrática têm as suas minúsculas bancadas ceifadas de bolsonaristas com seus dirigentes acalentados pelo Fundo Partidário.