Mentira admite dimensões. Na psicologia, mentira requer imaginação. Na filosofia, mentira desfigura a integridade do real. Na política, mentira envolve manipulação das pessoas.

Esses elementos estavam presentes, ontem. Em Miami. Quando do depoimento do ex-presidente, Donald Trump. A uma convocação do chefe, centenas de apoiadores acorreram ao prédio da Justiça federal.

Todos sabemos de que barro são feitos os processos a que responde Trump. Mas, na sua perspectiva soberba, trata-se de desconstruir a realidade. Afrontar a integridade dos fatos. Manipular a opinião pública. E, do lado dos apoiadores, o Trumpismo, eles só querem ouvir a doce música da mentira. A dureza de realidade adversa não lhes interessa. Eles querem o conforto da mentira.

É quase uma dezena de processos. De natureza civil e penal. Em Nova York, Miami, Geórgia, Washington. Certificados na infração de vários artigos de lei. A resposta ? A retórica da enganação. E suas nefastas consequências. Para a sociedade, a política. Para a credibilidade da democracia.

As massas e o inconsciente.

Massas têm direção. Mas não têm rumo. Freud já explicou o mecanismo pelo qual a vontade humana é formada: as pulsões. As pulsões do eu buscam dar proteção ao eu. Propiciar satisfação às necessidades básicas. Fome, sede, sobrevivência, sexo, poder.

Aí entra uma instância psíquica chamada superego. O superego faz uma aliança com a cultura, os pactos sociais, a lei. É o que promove respeito às regras. E patrocina a coesão da sociedade. De outra parte, também é responsável pelo sentimento de culpa. Pelas frustações políticas, decepções amorosas. Exigências que o sujeito impõe a si mesmo. Daí o mal-estar da modernidade.

Nesse contexto, se situa a relação entre massa e líder. E os mecanismos psíquicos daí decorrentes: identificação, idealização, regressão, recalque. Ao lado da órbita do psiquismo, encontra-se a esfera política onde ele desagua: o populismo. Na prática, uma moeda de duas faces: numa face, o narcisismo do líder. Na outra face, o fanatismo da massa. Faces de um mesmo fenômeno político fatal: autoritarismo.

O agir conjunto.

Conforme Hannah Arendt, a vida produtiva acentua três dimensões: o labor, o trabalho e o agir. Labor é o processo biológico de crescimento do corpo e da mente humana. Trabalho são os fazeres, produção de bens materiais e imateriais. E o agir é o toque humano, o suor, o talento, a criação. A transformação.

A Revolução Americana navegou no êxito da formatação política. Construindo pilares institucionais. Já a Revolução Francesa, tingida de sangue vertido na guilhotina, firmou a autoria de uma das mais belas páginas do homem: a Declaração Universal do Direitos Humanos. E a Revolução Russa foi engolfada pela negação do humanismo e da democracia: a ditadura stalinista. A que se seguiram modalidades incapazes de mudar o caminho das trevas.

As referências que Arendt faz ao modelo ateniense não é nostalgia. É o senso do pensamento político firmado no equilíbrio democrático. Distante do jacobinismo e da anomia social. Na convicção do equívoco, praticado por Mao Tse-Tung, ao dizer: o poder nasce do cano de um fuzil.

A violência será sempre instrumental. Regida pela categoria meio-fim. E no risco de o fim justificar o meio. Como escreveu Arendt, a prática da violência, como toda ação, muda o mundo. Mas será mudança para um mundo mais violento. No fundo, violência e mentira andam juntas. Desde os campos de concentração nazistas aos bombardeios no Camboja. E só há uma forma de desmascará-las: a verdade da democracia.

O estadista francês, Clemenceau, conversava com um representante da República de Weimar. A questão era a responsabilidade pela eclosão da Primeira Guerra Mundial. O alemão perguntou a Clemenceau:

– O que pensarão os historiadores desse tema controverso ?

O francês respondeu:

– Isso não sei. Mas tenho certeza de que eles não dirão que a Bélgica invadiu a Alemanha.