Ontem, a Faculdade de Direito do Recife homenageou um de seus professores eméritos; com fixação de quadro, pintado pelo grande Roberto Ploeg (pronuncia-se Plur), na Sala dos Professores. Das suas muitas qualidades, tantos já falaram. Do papel relevante, para a Democracia, que desempenhou como presidente da OAB de Pernambuco, nos negros anos da Ditadura Militar. De seu gosto por ser professor, na cadeira de Direito Comercial, especializado em Falências e Recuperação Judicial. De sua especial qualidade no conviver. Tudo muito justo e merecido. Mas prefiro, aqui, citar um traço, nele, que muito apreciava – o compromisso com a ética.
Não a “ética das responsabilidades”, de Max Weber, aquela dos homens públicos; equivalente, numa linguagem sindical (se é que isso existe), a uma ética de resultados. Não uma ética onde os fins (o sucesso) justifiquem os meios (as condutas). Não uma ética de aparências, que corresponderia à constatação do amigo Eduardo Galeano – para quem únicos meios que justificam seus fins são “os meios de comunicação”.
Retraduzindo o conceito, para dar-lhe atualidade, essa ética seria aquela em que ser correto se justificaria por não poder deixar de ser assim. Uma ética que remonte aos seus primórdios. No começo dos tempos, sabemos todos, a vida social era dominada pelas crenças. Sem distinção objetiva entre religião, moral e direito. Até que, entre VII e II AC, veio o que Jaspers definiu como “período axial”. Surgem os primeiros grandes filósofos: Pitágoras, na Grécia; Zaratustra, na Pérsia; Buda, na Índia; Lao-Tsé e Confúcio, na China.
Com esse “período axial”, veio também o questionamento dos mitos religiosos. E a compreensão de que nenhum poder político está acima do povo. Era uma ética, em consequência, fundada no bem comum. Por isso, a observação é de Toynbee, não foi casual terem sido contemporâneos o nascimento, na Grécia, da tragédia, da filosofia e da democracia. Essa ética em que todos devem acreditar, portanto, é aquela que retoma seu verdadeiro significado histórico. E que, valendo no passado, possa valer também no futuro.
Ocorre ser o homenageado, também, advogado. O que nos remete ao passado. Num Discurso de Paraninfo que fez em 11 de dezembro do negro ano de 1964, louvando Democracia e Liberdade, disse José Paulo Cavalcanti (meu pai): “Os que forem advogados verão a justiça com suas incertezas, suas alegrias, suas desilusões, seu desespero com a inevitável lentidão do processo. Mas do advogado sobretudo importa dizer que ninguém vê tão de perto o homem, no seu trágico barro, rareado de estrelas”.
Há duas maneiras de entender esta frase. Uma primeira, universal e mais abrangente, referindo que a maioria dos homens é barro trágico e apenas uns poucos são estrelas pela vida. Outra, particular e mais íntima, segundo a qual cada um de nós é quase o tempo todo barro, com raros momentos de estrela. E o amigo ainda hoje chorado, por sua trajetória, estaria em ambas as versões. Por ter muitos momentos de estrela, em sua trajetória; e por se sobressair do barro trágico que contamina o indeterminado cidadão comum. Como o “caminhante que faz seus caminhos ao andar”, usando palavras de Antonio Machado, ele era uma reluzente “estrela no mar”.
Por tudo, então, saibam todos e cada um que reverencio essa figura importante, para o Brasil, o professor Octávio de Oliveira Lobo – como herói, símbolo e exemplo de um futuro feito com ética cidadã e fé no Direito. Moldado no barro especial de que são feitas as estrelas. Razão porque ter sido amigo de alguém como ele é razão de orgulho, honra e privilégio. Viva Octávio Lobo!
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