Estranho o país em que vivemos. Aceitamos com naturalidade a enxurrada de “fake news” a que estamos submetidos, mas causa indignação ouvir constatações óbvias e verdades indiscutíveis. Dois fatos me chamaram a atenção esta semana. Vejamos o primeiro.

Em uma entrevista, o atual Ministro da Fazenda declarou que a Câmara dos Deputados “está com um poder muito grande” e não pode usá-lo para “humilhar o Senado e o Executivo.”

Revolta dos congressistas. Exigem retratação. Uma ousadia dizer o que todos veem. O “rei nu” volta a aparecer. 

Declara o presidente da Câmara, após cancelar uma reunião que seria estratégica: 

“É equivocado pressupor que a formação de consensos em temáticas sensíveis revela a concentração de poder na figura de quem quer que seja. A formação de maioria política é feita com credibilidade e diálogo permanente com os líderes partidários e os integrantes da Casa”.

Para evitar dissabores, o Ministro declara que não era bem isso que dizia, era uma análise histórica em que analisava a saída do Brasil do presidencialismo de coalizão para um modelo amorfo, em que “o parlamentarismo sem primeiro ministro” passava a imperar. A afirmação feita parece melhor se aplicada à realidade da Câmara atual. Afinal, o que se vê?

Não foi verdade que criaram o “Orçamento Secreto”, e puderam direcionar grande parcela dos recursos públicos para interesses individuais e nem sempre articulados com um projeto nacional? Que usaram esses recursos direcionando-os para interesses políticos de curto prazo, que garantiram a base de muitas das reeleições? Que mesmo os que foram direcionados para projetos necessários não tiveram transparência suficiente para a sociedade saber quem os solicitava, quais os objetivos e como poderia monitorar o seu bom uso?

Não é verdade que com o fim do poder, pela decisão do STF, que esse mecanismo de alocação de recursos dava, faz-se pressão para incluir no orçamento do ano vindouro novas emendas para atender a interesses parlamentares, “sugerindo” adicionar mais de 9 bilhões de reais para esse fim, e que se força a entrega de ministérios para aliados da Câmara, com o único objetivo implícito de acelerar a liberação de recursos para projetos de interesse dos congressistas? 

Nada mais patente e claro, nada que não seja de conhecimento de todos os que acompanham a política nacional.

A função do Legislativo é legislar, no máximo acompanhar as ações do Executivo e validar ou não os caminhos adotados, não é a de assumir as funções do Executivo e de se apoderar do direito de definir a alocação dos recursos em obras e ações de interesse dos congressistas. Principalmente quando vêm a atender apenas a interesses individuais ou corporativos. Formar bancadas que só pensam em interesses específicos, nos interesses de perfis setorizados, pouco ajuda no desenvolvimento da sociedade como um todo.

Outro fato: houve um apagão. Versões são espalhadas de todos os lados. Culpados são definidos a priori. Sem aprofundar investigações, sem se conhecer efetivamente os fatos. Não quero entrar nessa polêmica. O que me chama a atenção é o retomar da discussão sobre privatizações.

Sou daqueles que acreditam que, na sociedade capitalista, trata-se de um processo natural. O Estado entra como produtor e fornecedor em setores da atividade econômica de maturação de mais longo prazo, em segmentos em que a lucratividade de curto prazo é pouco atrativa para a iniciativa privada, ou em atividades que são estratégicas para as cadeias de valor e para a melhoria social do país. Nada mais lógico que, quando se estabilizam, quando conseguem atrair interesses, o Estado saia, através de privatizações, o que permite que ele se capitalize para atender a novas demandas inerentes a um mundo em rapidíssimas modificações.

No entanto, essa saída deve ser controlada, para evitar que o setor estratégico possa ser ameaçado por interesses meramente de remuneração. Também é fundamental que os investimentos feitos pela nação sejam ressarcidos a contento, evitando subfaturamento, evitando atender apenas aos interesses de grupos econômicos.

Essa é a lógica de um processo sadio de privatização. Acredito que um caminho natural, no modo de produção em que vivemos.

O dito apagão trouxe à baila o processo ocorrido com a Eletrobrás. Este é o ponto. As acusações de subfaturamento são facilmente observáveis, o controle dos investimentos em manutenção e modernização é ainda cedo para se saber. O processo se finalizou no segundo semestre de 2022.

O problema levantado é a participação do Estado brasileiro na gestão da companhia. Ele continua detendo mais de 40% das ações ordinárias, com direito a voto. E isso foi fundamental para atrair os investidores.

No entanto, na privatização incluiu-se um dispositivo que impede que um associado possa ter direito a mais de 10% nas votações que direcionariam o órgão. Com isso, evitou-se a possibilidade de o acionista majoritário definir regras e direcionamentos de gestão. Ou seja, tirou-se do governo a possibilidade de orientar a companhia para o estratégico, no contexto de desenvolvimento do país. Tema importante, que merece reflexão e aprofundamento.

Debate posto, novamente vozes se levantam contra. Leio nos jornais e vejo nas mídias que a privatização foi feita e não se pode admitir questionamentos. Com risco de novas represálias nas votações do Parlamento.

Um tema de máxima importância para a nação sempre deve poder voltar à discussão. Equívocos são feitos e devem ser corrigidos. A quase proibição do debate pouco contribui para o avançar. Não há como chegar a um país mais eficiente caso não se corrijam distorções que muitas vezes foram feitas de afogadilho, no apagar das luzes de outra gestão.

Vejo agora que a PGR emite um parecer nessa direção. Questionando o problema do baixo poder de decisão do governo nacional frente à sua posição acionária. Embora o parecer possa ter sido motivado por outros interesses conjunturais, como a manutenção em cargos em período de possíveis mudanças no órgão, é salutar. É importante rever caminhos traçados e rumos a serem seguidos.

Nossos parlamentares melindram-se facilmente. Com essa birra, a cada assunto que não lhes interessa, ameaçam com a paralisação dos principais temas de interesse coletivo, o que pouco ajuda, pouco faz avançar. Permitam que a democracia plena seja exercida. Coloquem os argumentos contrários, mas não deixem de votar e agendar debates sobre temas relevantes para o país. Não posterguem as chances que temos de mudar a nação.