Bernard Shaw, sempre com grande agudeza e não menor senso de humor, escreveu que “Tudo o que os jovens podem fazer pelos velhos é escandalizá-los e mantê-los atualizados”. Em tempos de aceleração digital e de implementos práticos oriundos da área tecnológica, essa constante “atualização” cai como uma luva em tempos de frio. Com certeza, a nós, idosos, os jovens nos familiarizam com as novas tendências e, atualmente, também com as novas tecnologias. De minha parte, confesso, é tudo o que quero: escândalo e novidade, até porque o passado que todo velho traz atrás de si é algo inercial, ou seja, está presente de qualquer jeito.
A propósito da relação entre jovens e idosos, penso que o poeta Mario Quintana foi ótimo psicólogo ao dizer que dois sinais nos dão consciência de que estamos na velhice: um é desprezar os jovens; o outro é adulá-los. Se a verdade está no meio, há, evidentemente, que se buscar um equilíbrio entre esses dois polos pitorescamente infelizes. Mas me permitam enfatizar que Quintana não defende nem deseja tal polarização: só registra o que costuma se desenhar e ocorrer à nossa volta…
De uma amiga da minha quadra etária, ouvi, mais de uma vez, ela contar o que a falecida mãe dela dizia quando alguém elogiava a beleza das filhas adolescentes. Se lhe diziam que as filhas eram bonitas, a mãe logo replicava com modéstia e sabedoria: “Não, não, não são bonitas, são jovens!”. Com efeito, a juventude tem uma beleza que lhe é inata, e isso encanta e confunde como uma radiação especial. É algo que está em sintonia, se nos aprofundarmos mais, com a hora da ascensão do desejo sexual, não por acaso programada pela natureza.
O filósofo André Compte-Sponville, em seu livro “A vida humana”, ilustra o capítulo sobre a adolescência com uma cena para ele inesquecível em casa de amigos. Diz ele: “A filha deles [dos amigos], então com 14 anos, tinha saído: estava fazendo ‘baby-sitting’ […] Então, logo após a meia-noite, ei-la que volta para casa, que entra timidamente na sala… Deslumbramento. Fascinação. Era muito mais que desejo e algo bem diferente [Acredite, se quiser!!!…]. Pela primeira e última vez na vida, vi um Botticelli vivo diante de mim, e não era nem pintura nem alucinação!”. Não obstante essa experiência “pessoal” e “única”, estou certo de que a cena é mais frequente do que se imagina à primeira leitura…
Em parte ecoando Proust, Comte-Sponville exalta-se ao falar da adolescência: “É a mais bela idade, pelo menos aos meus olhos, a mais cativante, a mais perturbadora, a mais perturbada também, e isso dá a ela um encanto a mais […] É a idade dos contrastes, das contradições, dos conflitos, inclusive internos. Tudo se mistura. Narcisismo e generosidade, exaltação e melancolia, conformismo e revolta, solidão e espírito de grupo, timidez e excentricidade, sede de absoluto e de reconhecimento…”.
E o que diz Marcel Proust? O autor de “Em busca do tempo perdido”, psicólogo nato, se expressa assim: “Mas a característica dessa idade ridícula que eu atravessava — idade nada ingrata, e sim muito fecunda — é que não se consulta a inteligência, e os mínimos atributos dos humanos nos parece que formam parte indivisível da sua personalidade. A tranquilidade é coisa desconhecida, pois estamos sempre cercados de monstros e deuses. E quase todos os gestos que então fazemos, desejaríamos suprimi-los depois. Quando, ao contrário, o que se devia lamentar era não mais termos aquela espontaneidade que nos inspirava […]”.
Essa visão otimista do autor da “Recherche”, ainda que muito pessoal e muito arguta, não deixa de reverberar a observação de Joubert, moralista tão admirado por Proust, ao dizer que “No homem só seus jovens sentimentos e seus velhos pensamentos é que prestam”. Enfim, numa síntese que caiba no bolso da memória, bem que se pode dizer que para os três autores citados o que conta é, por assim dizer, o elã da contradição e a espontaneidade da adolescência…
Para contrabalançar os apologéticos parágrafos anteriores e antes que algum pai ou mãe mais queixosos e às turras com seus filhos me contradigam ou me critiquem, deixo aqui o brado retumbante do nosso maior dramaturgo, Nelson Rodrigues. Assim, bem o imaginamos, com sua voz pastosa e rouca, nos provocando febrilmente: “Jovens de todo o mundo, envelheçam!”
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