Todos indicadores ecológicos assinalam o agravamento acelerado dos equilíbrios ecológicos do planeta: aquecimento global e sua consequência, a mudança climática; perda de biodiversidade; esgotamento dos recursos naturais não renováveis; poluição de todos meios naturais… Nenhum dos quatro segmento da ecosfera foi poupado pelo advento da sociedade termo industrial fóssil: atmosfera, hidrosfera, litosfera e, particularmente da biosfera, essa película, esse verniz que envolve o planeta, único local onde a vida prospera – a nosso conhecimento no universo.
No transcurso dos últimos 50 anos não foram tomadas medidas suscetíveis de evitar a degradação global, apesar dos alertas.
Ao contrário, o processo de destruição do Sistema Terra conheceu um aumento vertiginoso correlato ao aumento da produção e consumo de bens e serviços, particularmente nos últimos 30 anos. Nunca se produziu tanta riqueza material como agora e distribuída de maneira desigual em benefício de parte pouco significativa da população mundial. A desigualdade também se expressa no caso de um dos gases de efeito estufa, o gás carbônico. Os 10% mais ricos do planeta são responsáveis por mais de 50% das emissões de CO2; enquanto que metade da população mais pobre responde por apenas 8%. Mais gritante ainda, o 1% mais rico emite 15%.
As soluções tecnológicas, as promessas de crescimento sustentável e quejandos são ilusões sem futuro. Não serão soluções. Trata-se de um desafio impossível desacoplar de modo absoluto o crescimento do PIB dos danos ecológicos, tentativa inverossímil de desassociar a produção de riqueza do uso de energia e matérias-primas. Isso nunca foi demonstrado. Ainda mais que será impossível estender as vantagens da modernidade – cujo esteio são as energias fósseis – aos excluídos. E alcançar ao mesmo tempo a proeza de reduzir as degradações ecológicas.
Quanto maior for o uso de energia, maior será a transformação do meio natural vivo e inanimado. A energia é uma grandeza física que tem a propriedade de alterar um sistema. Com mais ou menos energia, se altera, velocidade, temperatura, forma, composição química e atômica. O sistema econômico não está imune a essas alterações. O nosso modo de vida é tributário da física e não de cifrões. Em outros termos, da quantidade fenomenal de energia contida em um unidade de massa fóssil. Basta dizer que a energia contida em uma colher de sopa de 15 mililitros de gasolina desloca um veículo de duas toneladas por mais de meio quilômetro. A energia fóssil substituiu o trabalho humano.
As energias fósseis representam 85% do consumo de total de energia primária do planeta. Não se substitui 13 bilhões de toneladas de energia fóssil consumida anualmente por energias de baixo carbono (eólica, solar, nuclear só produzem eletricidade). Isso causará retração do funcionamento do parque de máquinas que trabalham no lugar dos humanos. Não é problema econômico, mas físico. Reduzir pela metade o consumo de energia fóssil em 2050 para conter o aquecimento global em 1,5ºC no final do século requer, por exemplo, eliminar quase todo consumo de carvão do mundo. Nada menos do que 8 bilhões de toneladas, equivalente a 1700 pirâmides de Giseh, em volume. Sem esquecer que em torno de 65% da eletricidade do planeta é produzida com carvão e gás natural. Sem tampouco esquecer o consumo de petróleo da ordem de 4,3 bilhões de toneladas anualmente.
Em que pese todos alertas, reuniões, mobilizações, o aquecimento global não mais bate a nossa porta, mas já está na antessala, entre outros componentes da desregulação ecológica que vieram para ficar. Infelizmente, o consumo de energias fósseis segue sua trajetória ascendente. Qualquer pessoa que lute pela ecologia e não leve em conta as variáveis quantitativas, a dimensão colossal da tarefa que a humanidade terá pela frente a curto, médio e longo prazo, faz prova de angelismo.
As energias fósseis aceleraram de maneira vertiginosa a capacidade do homem de explorar, alterar e destruir os equilíbrios naturais. O ser humano, equivocadamente colocado no pedestal por Descartes como “maître et possesseur de la nature”, gerou o Antropoceno.
O produtivismo está por trás das representações desse futuro verde promissor, como se o futuro será o prolongamento do presente. A visão predominante sobre a transição ecológica pressupõe uma simples mudança da infraestrutura energética do planeta. Na verdade, se trata de uma questão civilizatória, cultural. Ela diz respeito ao nosso modo de vida nascido com a revolução industrial. O que está em jogo é a maneira como nós cultivamos, alimentamos, vestimos, construímos, transportamos, divertimos, comunicamos, produzimos aço, cimento, adubo, o escambau.
A transição ecológica dependerá de uma vida pautada pela sobriedade coletiva, pela autolimitação e pelo compartilhamento. Que produzir, para que produzir, como produzir. Em outros termos, a transição somente poderá ser alcançada colocando em causa o regime econômico fundado na produção desenfreada de mercadorias inúteis e na acumulação de capital.
Vasta tarefa a inventar. Ainda há tempo.
Tomás Togni Tarquinio
Oi pessoal,
Eu concordo inteiramente com o dito neste texto.
Para os que quiserem ler mais sobre as mudanças climáticas e sobretudo sobre o último parágrafo deste excelente texto de Tomás Tarquinio, eu recomendaria o livro “Capitalismo e colapso ambiental” de Luiz Marques da Unicamp.
Um abração
João Baltar