A imprensa brasileira sentiu os avanços, o namoro seguido de casamento entre a extrema direita, uma parcela dos militares e setores fascistas adormecidos com o evangelismo populista a partir do Golpe de 1964? Não. O fenômeno era muito interno e se desenvolveu primeiro dentro dos seminários, reforçando-se pouco a pouco entre os chamados fiéis, provavelmente para não provocar reações e nem alertar setores importantes dos meios de informações criadores de opinião.

Naquela época, há 50 anos, o evangelismo levado dos EUA para o Brasil não tinha nenhuma expressão, era mesmo insignificante com seus 5% da população brasileira, a maior parte nas camadas populares dos pentecostais, congregações cristãs e assembleias de Deus. Ainda existia a expressão protestante ligada ao movimento da Reforma, às igrejas luteranas, calvinistas, presbiterianas, que chegavam ao Brasil com seguidores tendo feições de classe média que enviavam seus filhos às universidades.

Se alguém perguntar aos colegas de hoje da mídia, se ouviram falar no reverendo Boanerges Ribeiro de Santos, certamente responderão pela negativa e poderão citar o pastor Milton Ribeiro, também ligado a Santos,ex-ministro da Educação, obrigado a se demitir por corrupção no ministério. Nada a ver, Boanerges Ribeiro foi escritor, teólogo, presidente do Supremo Concílio, e um dos últimos intelectuais importantes do protestantismo brasileiro, na mesma linha do gramático Eduardo Carlos Pereira.

Mas enquanto no norte do Brasil, a denominação evangélica dos pentecostais se expandia, só com o Golpe de 1964 os presbiterianos deixaram a neutralidade em matéria de política para se aliarem aos militares e passarem a reforçar a campanha contra o comunismo, inclusive com perseguições, repetindo o que já ocorrera nos EUA na chamada “guerra fria”.

É dessa época a “batalha da Maria Antônia”, o choque dos estudantes da Maria Antonia anti-ditadura, com os da Universidade Mackenzie pró-ditadura. Entretanto, embora Boanerges fosse presidente do Mackenzie (a reitora era Esther de Figueiredo Ferraz), isso nada tinha de religioso, era apenas político, entre estudantes de esquerda e de direita apoiadores do golpe militar. Porém, nos meios evangélicos, como contou o reverendo Caio Fábio d Araújo Filho, numa entrevista à Veja, em agosto de 2022, havia nos meios presbiterianos uma “boagernização”, que consistia na perseguição aos seminaristas e pastores de esquerda e inclusive na entrega aos militares.

Esse quadro foi tomando forma e crescendo nos meios evangélicos, não só presbiterianos, e se revelou com força e muita influência nos anos que precederam a eleição de Bolsonaro, a ponto de terem sido os evangélicos seus principais eleitores e de terem atualmente posição marcante no Congresso, inclusive com uma bancada religiosa fundamentalista.

Nesta altura, é o momento de afirmar ter havido reportagens e mesmo livros denunciando a cumplicidade do governo bolsonarista com os evangélicos, porém não um acompanhamento constante dessa união espúria pela grande imprensa. 

Entretanto, não se pode ignorar ter sido a BBC Brasil a mídia com mais enfoques no papel dos evangélicos durante o governo Bolsonaro. Diante da importância desse grupo religioso em crescimento, continua dando destaque com o repórter João Fellet e agora com a jornalista Letícia Mori, como na recente reportagem sobre o ramo evangélico existente entre os traficantes, que dominam as favelas de Parada de Lucas e Vigário Geral. 

A estrela de David foi espalhada nas entradas das favelas, é o “narcopentecostalismo” como denominam alguns pesquisadores.