É possível calcular a frequência com que uma palavra apareceu nos jornais digitalizados pela Biblioteca Nacional. São mais de dois mil títulos, ou 70 milhões de páginas, começando pelo Correio Braziliense, em 1808, e chegando até hoje. Também podem ser feitos exercícios semelhantes, via Google, para seis milhões de livros escritos em inglês. Desta vez, não faço ficção na Será? Trato de fatos.
A intensidade de uso das palavras reflete a valorização social dada a aspectos da realidade. Tome-se o caso do futebol, esporte que se tornou, não apenas no Brasil, um mega negócio. O interesse que ele desperta é óbvio, mas, como esse interesse se compara com outros? Em particular, o que tem sido mais importante, entre nós, como objeto de atenção, preocupação, tristeza ou regozijo? O futebol ou Jesus Cristo? O futebol ou a inflação? O futebol ou a revolução? O futebol ou o governo?
O jogo inventado pelos ingleses chegou ao nosso país no início do século XX; o personagem-símbolo da religião cristã está conosco desde 1500. Apesar disso, já em 1930-39, a palavra futebol foi escrita mais vezes nos jornais do que o nome Jesus. Desde então, essa liderança jamais foi perdida. De modo que, para mim, não há dúvidas: o brasileiro que lê (ou lia) jornais gosta mais do futebol do que de Jesus.
Também fiz comparações de popularidade do jogo com três outras palavras que exprimem partes importantes da realidade social em nosso país: inflação, revolução e governo. Os resultados obtidos talvez não sejam surpreendentes, mas são dignos de menção, mesmo assim. Ei-los, sinteticamente apresentados: (1) apesar de ter sido um problema grave durante toda a segunda metade do século XX, nunca a inflação teve presença maior nos jornais do que o futebol; (2) a mesma coisa (exceto na década 1900-09) aconteceu com a revolução, a despeito de este fenômeno ter tido várias oportunidades de suscitar o interesse dos brasileiros. (3) Das palavras consideradas neste exercício, futebol só perdeu (e de goleada) para governo. Nenhuma surpresa: quem pode com o governo, se a única coisa certa na vida são os impostos?
Os resultados para os livros em língua inglesa têm semelhanças, mas também diferenças importantes com os apresentados acima. Por um lado, a frequência da palavra government (governo) foi sempre muito maior do que as das outras três, da mesma forma como tem acontecido no Brasil. Por outro, num flagrante contraste com o visto acima, ao longo de quase todos os anos da série, as palavras football e soccer (que é como os americanos chamam o nosso futebol), somadas, tiveram frequência menor do que government, Jesus e revolution, cada uma dessas três considerada isoladamente.
Eles não sabem o que é bom.
Ou seja, fica demonstrado que aqui o tal “ópio do povo” é outro, é futebol. Ou pior que isso, se somou ao “ópio do povo” clássico mais esse outro. Sempre achei que a conversa sobre futebol serve para borrar desigualdades, quando via um cara tirando da garagem seu Mercedes e discutindo com o garagista o resultado do jogo do dia anterior.