Chamam-me Hélio. Sou um filósofo gasoso, habitante de um lugar gasoso. Com o calor, cresço; com o frio, encolho. Cresço e fico mais agitado, falante; encolho e me torno meditativo, quieto. Isso tudo eu descobri sozinho. Se houvesse medido meu tamanho com as réguas usadas nas escolas jamais o teria conseguido, pois também elas crescem com o calor e diminuem com o frio.
Minha descoberta causou desconforto. Os outros filósofos, convencidos de que eram sempre grandes, reagiram com violência. Fui expulso da Ordem e incluído na Desordem. Quando me viam, os amigos buscavam ventos que os levassem para longe. Foi então que passei a me comunicar com Petrus, filósofo não gasoso de planeta não gasoso. Lugar feito do que ele chama grãos de areia.
– O que são grãos de areia? – perguntei.
– Uns pedacinhos de matéria. Duros. Pensa o seguinte: se alguém do seu mundo encolher, encolher e encolher, por causa de um frio intenso, vai chegar ao ponto em que seu tamanho será muito pequeno. Não só isso. Também a consistência do corpo se terá modificado. Deixará de ser gasosa, para se tornar como a do grão de areia.
– E todos os grãos de areia existentes em seu mundo são filósofos? – eu quis saber.
– Pensam que sim, mas não são. Areia, temos de sobra, filósofos contam-se nos dedos. Talvez, nem dez existam. Mas estou falando em números sem saber se você os conhece. Sabe contar?
– Não, não sei. O que é contar?
– Dou um exemplo. Você está distraído, pensando. De repente, alguém lhe joga uma pedra na cabeça. Isso dói. Você conta: uma pedra. Aí, o mesmo cara lhe joga outra pedra. Esta dói mais. Você conta: duas pedras. E assim por diante. Entendeu?
– Não, não entendi, Petrus. Sou gasoso, não tenho cabeça. Vivo num lugar gasoso, nunca tinha ouvido falar em pedras ou em grãos de areia. Não sei o que é “uma”, nem “duas”, nem “assim por diante”.
– Vou tentar lhe explicar de outro jeito. Aqui na Terra, onde vivo, quando sentimos atração por uma mulher, sempre queremos levá-la para a cama. Isso pode demorar mas, frequentemente, termina por acontecer. Então, fazemos sexo uma primeira vez e, se os dois gostarem, haverá uma segunda, terceira vez …
– Ah, meu amigo! Isso aqui é diferente. Somos gases. Sentimos atração por outros gases. A gente se aproxima, deixa um pouco de cada um se misturar e daí resultam as coisas mais loucas. Veja meu caso: sou alucinado pela Ozônia. Quando estive com aquela massa de gás absolutamente apetitosa, quase me dissolvi por inteiro. Ela, também. Saiu faísca, houve explosão. Se a segunda vez de que você fala for o que estou pensando, não quero nem imaginar.
A minha conversa com Petrus terminou ali, abruptamente, e nunca mais foi retomada. É que a Ozônia vinha em minha direção. Tomei o primeiro vento e fugi. Havia aprendido o quanto a Aritmética aplicada pode ser perigosa. Ela não entendeu meu comportamento, pois tinha gases em excesso e queria se livrar deles. Eu, não.
Oloko! Realismo mágico? Apenas lição de lógica elementar: de fato, se o universo fosse gasoso, e um só e mesmo gás, números não poderiam existir.