A reflexão de John Donne, poeta e pregador inglês, que Hemingway coloca como epígrafe do seu romance “Por Quem os Sinos Dobram”, aplica-se bem aos tempos que estamos vivendo. Não apenas pelos mil, duzentos e tantos mortos israelenses no ataque insensato do Hamas, mas também pelos 29 mil palestinos massacrados, indistintamente, na Faixa de Gaza, com a reação desproporcional do Estado Judeu, sob um governo de extrema direita, que vem sofrendo oposição crescente do seu povo.

Os sinos dobram, portanto, por todos nós, integrantes da humanidade, sobretudo pelos homens de boa-fé, naquela feliz expressão do Cristianismo. O promontório da alegoria de John Donne não perde apenas um pedaço de terra, diminuindo o continente europeu. Sofre um verdadeiro desmoronamento. E todos nós nos sentimos diminuídos.

Que me perdoem os amigos de ascendência judaica, mas acho o argumento da defesa do Estado de Israel de natureza demagógica e  hipócrita. O que se está fazendo na Faixa de Gaza não tem nada de defensivo. É pura vingança. Sob suspeita da presença de um terrorista do Hamas em um edifício, bombardeia-se o edifício, matando também pessoas inocentes, mulheres e crianças. E a alternativa de troca de prisioneiros, que poderia ser passo importante para a paz, não é mais sequer discutida. Prossegue-se com a carnificina.

Aliás, outra não é a expressão de um filho de judeus da Diáspora, personalidade venerável aos seus 102 anos, herói da Resistência Francesa contra os nazistas alemães, que, ao lamentar a indiferença ou a passividade das nações europeias e dos Estados Unidos diante do problema, condena a “carnage” promovida pelos seus compatriotas em Gaza.  Falo de Edgar Morin, originalmente Edgar Nahoum, que, ao fim da II Grande Guerra, optou por adotar seu cognome de combatente.

O mais doloroso em tudo isso é que, na minha modesta opinião, não há solução militar para tal conflito. O exército de Israel pode massacrar todos os palestinos, ou bani-los de suas terras, mas o Hamas tem militantes em outros Estados árabes, e esses militantes têm filhos, que terão como dever moral e religioso prosseguir com sua missão de destruir o Estado Judaico. Só haverá esperança de paz para Israel com uma composição com os líderes palestinos moderados, a definição de um Estado palestino independente, e o respeito à fronteiras entre os dois Estados, definidas pela ONU, e sistematicamente desrespeitadas por colonos israelenses, com o beneplácito do seu governo.

Israel é um Estado democrático, mas está hoje governado por um primeiro ministro de claros pendores ditatoriais. Tentou obter poderes para submeter ao seu crivo o Poder Judiciário, e foi contido pela reação popular, a mesma que agora cobra uma solução imediata para a libertação dos reféns em poder dos terroristas.  Mas ele, cego de ódio e insensível ao sacrifício de inocentes, prossegue em sua “limpeza étnica” do território de Gaza. Cabe a pergunta: quantas vidas de palestinos valem a vida de um israelense: dez, cem, mil?

É improvável que haja uma simples rendição do Hamas. É mais previsível que seus militantes sucumbam à “carnage”, levando consigo os pobres reféns, se o povo esclarecido do Estado Judaico não dobrar a cerviz do seu primeiro ministro, ou destituí-lo, para não merecer a pecha de responsável por um novo holocausto.

Até então, seguem a dobrar os sinos: pelos habitantes de Gaza, pelas vítimas do Hamas, pelos soldados de Israel, pelos israelenses e israelitas de boa-fé, por todos nós, enfim, que fazemos parte da humanidade