Revolução dos Cravos - autor não localizado

Revolução dos Cravos – autor não localizado

Com o Palácio “La Moneda” cercado pelos golpistas das Forças Armadas e dos Carabineiros, o presidente Salvador Allende pronunciou um emocionante discurso, antecipando a derrota, mas expressando sua confiança no futuro. “Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor”. A força moral das palavras de Allende, naquele momento dramático da história da América Latina, aliviou um pouco do desânimo geral dos que acreditaram na proposta de construção do socialismo com democracia. Mas ninguém poderia imaginar que tão cedo a História descobriria novos caminhos para a democracia e para uma sociedade melhor. E, no entanto, sete meses depois do golpe militar no Chile que derrubou o governo legítimo do socialista Salvador Allende e implantou uma das mais violentas ditaduras da América Latina, as alamedas se abriram outra vez, não na América Latina, mas em Portugal esmagado pela ditadura de Antônio Salazar. Mais cedo do que o próprio Allende poderia ter imaginado, quando falou, pela última vez, para o povo chileno, num discurso sereno e profundamente humano.

Há 50 anos, quando as rádios portuguesas tocaram a música Grândola, Vila Morena, foi dado o sinal para a Revolução dos Cravos, que derrubou a longeva ditadura de Antônio Salazar, dominando o país por mais de 41 anos. Quase sem confronto e vítimas, em 25 de abril de 1974 a revolução restaurou a democracia em Portugal. A Revolução dos Cravos reanimou os democratas e a esquerda latino-americana ,que lamentavam o final traumático do governo Allende, e repudiavam o terror do ditador Augusto Pinochet. O mais pobre país da Europa, há décadas dominado por uma ditadura, levantou-se para confirmar a esperança anunciada por Allende. 

O golpe militar do Chile era tão previsível quanto foi imprevisível o movimento que derrubou a ditadura em Portugal. A profunda crise econômica e política no Chile, a inflação galopante, o enorme desabastecimento e a radicalização, numa sociedade fragmentada, com o presidente Allende isolado politicamente, provocaram um grande desgaste e criaram um tão grave impasse, que tudo indicava a iminência do golpe militar. A única incerteza, naquele momento, era sobre as chances que teria a esquerda de resistir ao levante, o que, seguramente, levaria a uma guerra civil no Chile, de resultados imprevisíveis. Que Allende temia e rejeitava.

Ao contrário do desenlace previsível da crise no Chile, a Revolução dos Cravos surpreendeu o mundo e, por dizer assim, acalentou as esperanças dos democratas e socialistas da América Latina. Foi surpreendente, mas não por acaso. Portugal era um país em plena decadência econômica e cultural numa Europa próspera, política e diplomaticamente isolado, com o povo traumatizado pelo conflito colonialista na África. O descrédito e a insatisfação com a guerra colonial levaram milhares de jovens portugueses ao exílio nos países vizinhos da Europa, para fugirem do serviço militar e da possível morte nas florestas e savanas de Angola ou Moçambique. As colônias eram uma fonte de recursos da pobre economia portuguesa, mas a guerra colonial demandava pesados investimentos militares e a mobilização de tropas, comprometendo o orçamento e provocando grande insatisfação na sociedade. E mais diretamente entre os jovens oficiais das Forças Armadas desgastadas por uma guerra colonialista insana. 

A democratização de Portugal veio acompanhada do processo de descolonização da África, acabando com o último domínio europeu no continente, abrindo o caminho para a abertura e o reconhecimento internacional, a modernização econômica e social e, mais tarde, a entrada na União Europeia. Com a democracia e a independência das ex-colônias africanas, os jovens exilados portugueses voltaram para Portugal, trazendo na bagagem ideias e valores da social-democracia europeia, para oxigenar o pensamento político e social do país. Logo depois da Revolução dos Cravos, Portugal também recebeu milhares de exilados brasileiros em busca das alamedas abertas. 

Portugal é hoje uma nação democrática e desenvolvida, com um IDH-Índice de Desenvolvimento Humano muito elevado, na 22ª posição mundial em qualidade de vida, membro da União Europeia e da OCDE-Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A revolução abriu as grandes alamedas para a passagem do homem livre que construiu uma sociedade melhor, nas palavras de Allende. Quem sabe, o Brasil ainda será um imenso Portugal, como brinca o poema de Chico Buarque.