A produção de conhecimento impõe a utilização de conceitos e categorias. Sem eles, certamente, a articulação dos dados e das informações torna-se impossível. Sendo assim, eles não só exercem o papel de articuladores como também de orientadores da análise. Entretanto, com muita facilidade, nos esquecemos de que os conceitos e as categorias são também entes históricos, ou seja, estão circunscritos a uma temporalidade e, por conseguinte, não possuem um significado padrão válido para todas as épocas e lugares.
O conceito de democracia é um caso típico. A semelhança entre a democracia forjada na antiguidade clássica e a existente atualmente é apenas nominal. Além disso, muitas são as diferenças entre os regimes nomeados como democráticos no tempo presente. Portanto, acerca dos conceitos e das categorias devemos considerar inicialmente dois aspectos: (i) não são autoevidentes; (ii) não são autoexplicativos. Eles demandam uma abordagem sociohistórica, pois o seu conteúdo semântico é objeto de disputas constantes.
O que não nos falta são demagogos se autoproclamando democratas! Alguns chegam ao absurdo de se postar como experts no assunto, em uma negação sem limites da realidade concreta… Há ainda os que se comportam como verdadeiras divindades, acima do bem e do mal, disparando platitudes para todos os lados, como se sábias palavras fossem!!! Há também os que, com ar professoral, se dedicam a lecionar democracia para os demais, como se os ouvintes não passassem de pobres gentios em presença da autoridade catequética.
Nos últimos dias, o noticiário político foi tomado por matérias variadas sobre o embate entre o magnata Elon Musk, dono da X (ex-Twitter), contra o ministro do STF Alexandre de Moraes. Confesso que resisti a escrever sobre o tema, apesar de já ter me debruçado algumas vezes sobre a atuação do STF. Não que o contencioso se trate de mera picuinha de Musk contra Moraes como se chegou a insinuar. Muito pelo contrário. A essa altura dos acontecimentos não é mais possível ocultar a agenda política do empresário!
Da extrema-direita ou da extrema-esquerda já sabemos bem o que esperar, absurdos e despropósitos sem limites. O ponto principal, razão de minhas preocupações, são os falsos democratas – tenham consciência ou não disso – o que me preocupa é o seguinte: os sujeitos que em nome de lutar pela democracia, ao fim e ao cabo, pelo uso de mecanismos duvidosos, inconstitucionais até, terminam por miná-la, enfraquecê-la culturalmente na consciência dos brasileiros, desgastando os princípios que deveriam ser fortalecidos.
Conforme noticiou a grande imprensa, na noite da última segunda-feira, dia 15 de abril, ocorreu um jantar na casa de Gilmar Mendes, decano da Suprema Corte, reunindo os também ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Alexandre de Moraes. Além dos integrantes do judiciário estiveram presentes o presidente Lula, acompanhado dos ministros Ricardo Lewandowski (Justiça) e Jorge Messias (Advocacia Geral da União). O tema da reunião: o episódio Elon Musk vs. Alexandre de Moraes e o cenário desfavorável para o STF.
A atual composição do STF, certamente, constitui uma perfeita aristocracia, no sentido aristotélico do termo, tal como expresso na célebre Política (????????): embora seja um grupo de poucas pessoas, em tese seriam os melhores em sua função, para atender aos interesses dos cidadãos. Mas, eis o ponto central: quais são, de fato, os interesses atendidos pelos membros da nossa Suprema Corte? A percepção majoritária é a de que não se atende às necessidades dos cidadãos brasileiros, ao menos não como a população espera.
Em suma, o Supremo Tribunal Federal peleja para combater as tais Fake News que, ao correrem soltas pelas redes sociais, seriam uma ameaça mortal à nossa sagrada democracia. Pois bem, não é. Nossa democracia é bem mais sólida que isso. Tenho para mim que o problema motivador é bem outro. Com o pretexto descarado de salvar a democracia, um pequeno núcleo do STF tem se aproveitado da boa-fé dos cidadãos brasileiros para usar as investigações desses inquéritos concentrados nas mãos do Alexandre de Moraes para impor um “cala a boca geral” contra qualquer sujeito que se pronuncie contra a corte não importando os termos. Espero estar errado, torço para isso!
Prezado Márcio Santos:
Referir-se ao Supremo Tribunal Federal logo no título, e em letras minúsculas, soa a deboche, mesmo se admitimos que alguns de seus membros se comportam com impertinência, com leviandade ou com arrogância. Se não reconhecermos o STF como instituição indispensável ao nosso Estado democrático, mesmo com suas debilidades, estaremos fazendo o jogo dos vândalos que o depredaram em janeiro do ano passado. Se nos abrigamos sob a égide da “Ética & Democracia, seria uma atitude, digamos, “politicamente incorreta”.
No mais, meus cumprimentos pela contribuição à Revista.