Em “A História da Riqueza do Brasil“ Jorge Caldeira, com tratamento metodológico inovador, notadamente econométrico e antropológico, nos surpreende com conhecimentos novos e importantes sobre o Brasil colônia: a economia do interior do Brasil era mercantil; os negócios eram suportados por procedimentos informais “todo o sistema de crédito fundava-se no fiado”; a democracia era a base da vida política; atrair genros entregando uma filha em casamento era uma estratégia econômica de origem Tupi, sendo a efetiva fonte da miscigenação brasileira. Caldeira mostra que desenvolvemos aqui, naquele período, uma economia dinâmica e rica, com uma política eficaz em uma sociedade inovadora. Ou seja, sua visão da nossa História é, de certa forma, contrária à versão interpretativa dos nossos historiadores clássicos, que nos falavam de uma colônia exportadora, completamente despida de dinâmica própria, com uma economia, marcadamente, de subsistência.
Essa nova interpretação do Brasil colonial nos remete, naturalmente, ao pensamento do filósofo, historiador e arqueólogo britânico Robin G. Collingwood, que, quando tratou da hermenêutica da História, levou ao entendimento de que, diante de um passado inacessível, o objeto da História, seria, resgatar (res gestae) ações e fatos praticados no passado. Entendeu, inclusive, que as estruturas do conhecimento histórico se organizam no historiador (“dentro da cabeça” do historiador) e não na “História em si”. Collingwood chegou a acrescentar que “o historiador deve colocar-se acima das fontes, recorrendo a processos de seleção, interpolação e crítica“, podendo, até, “postular fatos, preenchendo lacunas por meio da dedução“, pois que lhe é “impossível libertar-se dos seus preconceitos intelectuais e ideológicos”. Ele afirmou: “apontar o erro na discussão de uma ideia é o que permite o crescimento na educação” e “compreende-se um texto quando se compreende a pergunta de que ele foi a resposta”.
Uma concepção subjetivista da História substituiu, para Collingwood, portanto, a antiga visão objetivista, pois o conhecimento histórico passou a ser visto como um olhar pessoal do historiador para o passado.
Collingwood dizia que toda verdadeira investigação parte de um certo problema e o propósito da investigação é solucionar esse problema. Para ele, a História, por um lado descobre fatos e acontecimentos e, por outro, os (re)constrói a partir dos dados obtidos.
Acrescentou aquele o historiador: “por conseguinte, o plano da descoberta está já conhecido e formulado quando se diz que a descoberta, seja ela qual for, terá de satisfazer os termos do problema”. De fato, jamais se navega sem carta; por poucos pormenores que contenha, a sua carta tem marcadas as linhas de latitude e de longitude, e o seu propósito é descobrir o que se há de colocar sobre e entre aquelas linhas. Nesses termos, deveria o investigador re-presentar, no seu próprio espírito o pensamento que é objeto do seu estudo, tendo em consideração o problema do qual se partiu, reconstruindo os degraus através dos quais se vai tentando a sua solução. Concluiu Collingwood: “assim, toda História é História Contemporânea”.
Caro Fernando. Esse seu texto na Revista Será – encimado com a afirmação de Collingwood sobre o caráter contemporâneo da produção do historiador – trazendo à baila Caldeira e aquela inversão de fundamentos oficiais da história da riqueza no Brasil colonial, dá gosto. Seu texto é instigante sim. Como diria Hannah Arendt, entre o passado e o futuro está cada um de nós. E as circunstâncias, diria Ortega y Gasset. Quem sabe, eis aí a contemporaneidade da história que produzimos.
Muito bom, tratamento metodológico criativo que conduz a uma proximidade da atualidade.
Texto claro e objetivo que leva o leitor a uma reflexão e demonstra a evolução do conhecimento.
Parabéns!!!
Fernando,
Muito bom, tratamento metodológico criativo que conduz a uma proximidade da atualidade.
Texto claro e objetivo que leva o leitor a uma reflexão e demonstra a evolução do conhecimento.
Parabéns!!!
Caro Fernando: sobre Caldeira, comento depois — talvez, em outro lugar — pois ainda não li o livro dele a que se refere. Robin G. Collingwood, conheço ainda menos, de modo que posso ser injusto com ele e com você ao me referir à frase “toda História é História Contemporânea” citada em seu comentário. Estou em dúvida sobre se se trata de uma afirmativa (1) verdadeira e brilhante; (2) falsa e propensa a confundir; (3) trivial e irrelevante. Se ela fosse verdadeira, todos os acontecimentos havidos desde quando o último neandertal caçou sua última lagartixa até 6 de agosto de 1945, quando Hiroshima ardeu em chamas, seriam irrelevantes. Sendo “contemporâneos” os dois acontecimentos, nada que (supostamente) tenha existido entre eles pode ter influenciado um ou outro. Como a frase nos conduz a esse absurdo, ela não é verdadeira, nem brilhante. Ao contrário, parece-me falsa e propensa a confundir. A menos que seja “verdadeira” (porém, trivial e irrelevante) no sentido de que cada geração conta as histórias de seus antepassados a partir de um conjunto de informações, crenças, ferramentas de pesquisa, valores , etc. que não estava disponível ou não era considerado aceitável na época em que nossos antepassados viveram. Mas isso não nos autoriza a dizer que toda História é História contemporânea. E, pior, nos induz a erro. Minha alternativa preferida, portanto, é a (2). Abraço.