Aposentado

Aposentado

Apesar de um parcial sucesso no aumento da receita pública, o governo Lula da Silva continua às voltas com a pressão do crescimento das despesas públicas que atrapalha a realização das metas definidas no Arcabouço Fiscal. Para o incômodo do presidente, a elevação das despesas da União decorre, em grande medida, de dois componentes de grande impacto social – a Previdência Social (INSS) e o BPC-Benefício de Prestação Continuada, que concede um salário-mínimo a idosos e deficientes pobres – com aumento em 11,3 bilhões em um ano (o valor é praticamente o mesmo que o ministro Fernando Haddad anunciou de bloqueio das despesas). 

De acordo com o governo, a principal causa deste significativo aumento foi crescimento do número de beneficiários de aposentadoria e pensões e assistência social do BPC. Entretanto, um vetor de aceleração destas despesas sociais, com pressões fiscais fortes, é a política do governo Lula de aumento real de salário-mínimo com um adicional à correção da inflação. Esta generosidade social de Lula com os trabalhadores formais (apenas 60% da população ocupada) montou uma poderosa bomba fiscal, com impacto na explosão de gastos com o INSS (mais de 33 milhões de beneficiários) e o BPC (quase seis milhões de pessoas) na medida em que leva à ampliação das despesas acima da inflação. Os dois benefícios – INSS e BPC – comprometem, atualmente, pouco menos de 50% do orçamento da União como gastos obrigatórios. 

Com dois componentes de política social em conflito – benefícios e política de salário-mínimo – o presidente Lula da Silva está diante de um delicado dilema: ou suspende a política de aumento real do salário-mínimo, ou terá que promover a desvinculação dos benefícios da previdência e do BPC ao salário-mínimo. Se insistir em deixar os dois, empurrando o problema com a barriga para evitar o desgaste político na sua base social, vai implodir o sistema previdenciário e comprometer o próprio Arcabouço Fiscal. 

Apesar da reforma da Previdência, aprovada em 2019, o déficit previdenciário continua crescendo, tendo atingido R$ 306 bilhões, em 2023, quase 44% acima do registrado quatro anos antes (R$ 213 bilhões), devendo chegar a R$ 340 bilhões no próximo ano. Era previsível que o efeito da reforma fosse mais lento nos primeiros anos, mas a intensidade das aposentadorias, reflexo do envelhecimento da população, elevou as despesas sem o corresponde aumento da receita, que depende do ritmo da economia e do emprego. Quando se agrega ao aumento dos beneficiários o vínculo com a política de salário-mínimo, o resultado pode ser dramático. 

Por outro lado, os dados do Censo Demográfico mostram que a idade mediana dos brasileiros subiu de 29 anos, em 2010, para 35 anos, em 2022, de modo que a população de 65 anos e mais passou de 7,4% da população total (2010), para 10,9%, em 2022 (cerca de 8,1 milhões de brasileiros entraram na categoria de idosos na década). Estudo do IPEA/IBGE estima que, em 2040, a população idosa do Brasil vai representar 17,4% do total dos brasileiros, pesando fortemente no sistema de previdência e na saúde. E, do lado da receita, os dados do Censo sinalizam para um declínio futuro da população em idade ativa que vai financiar o sistema de previdência, principalmente se o Brasil ainda continuar com um alto percentual de trabalho informal (que não contribui para a previdência).

Por isso, se o governo insistir na manutenção da vinculação dos benefícios da Previdência ao salário-mínimo vai provocar uma pressão excessiva sobre as despesas previdenciárias, que tende a ser insustentável no curto prazo. Cerca de 69% dos beneficiários do INSS – 27,6 milhões de beneficiários – ganham o equivalente ao salário-mínimo e, desta forma, terão aumentos dos benefícios acima da inflação. A generosidade do presidente vai aumentar o peso da Previdência no orçamento – já representa hoje mais de 40% das despesas primárias – empurrando o restante das despesas primárias para os limites definidos pelo Arcabouço Fiscal. Os economistas Fábio Giambiagi e Paulo Taffner entendem que será necessário promover nova reforma da Previdência e, principalmente, desvincular os benefícios do salário-mínimo (livro intitulado “A Reforma Inacabada – O futuro da Previdência Social no Brasil”).

Parece uma maldade com os aposentados, mas consiste, em última instância, numa proposta para salvar o sistema, evitando a falência que levaria à incapacidade de pagamento dos benefícios. A generosidade com os aumentos reais tende a comprometer, em pouco tempo, a própria distribuição dos benefícios. Evidente que não se pode aceitar uma deterioração do poder de compra dos benefícios da previdência pela inflação, o que não significa o seu aumento real quando atrelado à política do salário-mínimo. Seria suficiente definir uma regra de reajuste anual com base no IPCA (ou outro indicador) que compense o aumento dos preços, garantindo a conservação do poder de compra dos aposentados e pensionistas.

O aumento real do salário-mínimo representa uma medida para o trabalhador se apropriar, a cada ano, de uma parcela maior do excedente gerado pela produção, que seria acompanhada da redução da margem de lucro das empresas, caso não houvesse, ao mesmo tempo, um crescimento da produtividade do trabalho. Rigorosamente, como a produtividade do trabalho no Brasil está, há décadas, quase estagnada, o aumento real do salário-mínimo, mesmo sendo justo, pode ter um efeito negativo na economia, desestimulando os negócios e os investimentos, que são, por último, quem gera emprego e contribui para elevação dos salários como resultado da maior demanda por mão de obra. O aumento da demanda por mão de obra e a elevação da produtividade do trabalho são fatores que, por último, promovem e viabilizam o crescimento real do salário dos trabalhadores, e não apenas o salário-mínimo.

Enquanto não temos isso, a política de salário-mínimo poderia assegurar a reposição das perdas da inflação, sem forçar um aumento real. Desta forma, o vínculo ao salário-mínimo dos benefícios da previdência e do BPC não provocaria uma aceleração do déficit previdenciário, desativando a bomba fiscal. Mas sempre, claro, assegurando que nenhum dos dois – benefícios e salário-mínimo – percam poder de compra. No fundo, quando a assistência social ocupa parcela tão significativa do orçamento e crescendo mais que o conjunto das despesas primárias, reduz-se drasticamente a capacidade de investimento do Estado em áreas estratégicas de desenvolvimento que geram uma dinâmica de redução sustentável das desigualdades sociais.