Arafat e  Yitzhak Rabin

Arafat e Yitzhak Rabin

“A política deve se nortear pela liberdade, pela ação em conjunto e pela preservação da vida”.

Hannah Arendt.

 

Sempre admirei o pensamento de Hannah Arendt. O modo preciso como ela apresenta os conceitos. As vias que ela cria para encaminhar o fazer concertado. No caso da ação no espaço público, por exemplo: “A esfera pública é sustentada pelo consenso, preservada pelo cumprimento das promessas feitas e pela disposição de perdoar e ser perdoado”.

Entre os políticos, trago duas admirações: Shimon Peres e Yitzhak Rabin. Peres, por sua simpatia franca. Uma passagem prosaica. Eu estava hospedado em hotel, no Rio. Para reunião do condomínio dos Diários Associados. A porta do elevador se abre. Um senhor de paletó e gravata, fartos cabelos, olhar vivo, sorriso, antes de entrar, diz:

– Good morning. May I can ?

No breve espaço de tempo em que ele entrou e alcançamos o térreo, pensei, conheço essa figura. No salão do café, com simplicidade, ele cumprimentava as pessoas, agradecia educadamente o serviço de café. A ficha caiu. Shimon Peres.

Já Yitzhak Rabin a admiração veio do esforço para assinar o Acordo de Paz com os palestinos. Documentada na célebre foto reunindo na Casa Branca, Bill Clinton, Rabin e Yasser Arafat. O talento e a costura paciente para conciliar é uma de minhas paixões. A busca de pontos de convergência é tarefa que envolve percepção psicológica do outro e compromisso com o real.

Lembrei desses fatos ao reler Rumo à Estação Finlândia (Edmund Wilson, Companhia das Letras, 2016, São Paulo). Num dos capítulos, li o seguinte:

“Foi sob esse aspecto que Karl Marx, como judeu, teve valor fundamental para o pensamento de sua época. O gênio característico do judeu é o gênio moral. Os livros sagrados do povo de Israel serviram de base para as religiões de três continentes e, mesmo no caso dos grandes judeus que não trataram de religião em si, é normalmente sua apreensão das ideias morais que lhes confere força peculiar” (p. 351).

Mais adiante:

“Foi provavelmente graças a seu lado judeu que Proust não se tornou o Anatole France de uma fase ainda mais decadente da tradição beletrística francesa. Sem dúvida, a autoridade moral dos judeus é um dos fatores mais importantes que levaram os nazistas a persegui-los”.

E mais:

“É interessante relembrar o papel que os judeus já desempenharam nesta nossa crônica: os estudos semíticos de Renan, a influência da sra. Caillavet sobre Anatole France, os discípulos judeus de Saint-Simon, o socialista Ferdinand Lassale. Assim, Karl Marx agregou à economia ponto de vista valioso. Somente um judeu, em meados do século 19, seria capaz de usar armas morais para atacar a fortaleza da autocomplacência burguesa”.

Em seguida:

“Assim, Freud enxergou a importância vital dos impulsos sexuais que a civilização proibira e que o puritanismo havia tentado sufocar. Assim também Einstein interessou-se pelas poucas anomalias do sistema de Newton, as quais recebiam pouca atenção, pois o sistema funcionava tão bem. Assim, Lassalle assumiu a causa do feminismo numa época em que, de modo geral, as mulheres alemães viviam à mercê de seus pais e maridos” (p. 352).

Uma leitura leva a outra. E a sexta-feira, nublada, friorenta, pouco recifense, me leva a passar os olhos na estante. Enxergo Ralph Wald Emerson (1803-1822): Homens representativos. Filósofo, cujas ideias influenciaram gerações de americanos. E particularmente Henry Thoreau e John Dewey. Essa é uma obra que discute o papel que os grandes homens representam na sociedade.

Emerson avança na sugestão de improvável utopia. A de que o gênio, como qualidade rara, é partilhado por uma minoria. Para benefício da maioria. Exalta o valor da grandeza individual. Que ele denomina “homens representativos”. Segundo ele, homens como Shakespeare, Napoleão e Goethe.

Emerson escreve:

“O mundo é sustentado pela veracidade dos homens bons; eles tornam a terra saudável”. E também: “Os homens possuem uma qualidade pictórica ou representativa e servem-nos intelectualmente. Os homens são representativos, primeiro, das coisas; depois, das ideias”.

E ainda: “A imbecilidade dos homens convida sempre a impudência do poder”. Esta é a homenagem que a sensatez presta ao atual primeiro-ministro israelense.